Vocês têm de rever o vídeo
abaixo. Notem como a então candidata Dilma, que viria a ser eleita e reeleita,
lia a realidade do país
Por Reinaldo
Azevedo, 11/10/2016,
www.veja.com.br
Não pensem que se fabrica um desastre
de um dia para o outro. Não é assim nem com a natureza. Se os homens tivessem
cuidado melhor do Haiti, morreriam menos pessoas quando há um terremoto.
Haveria menos vítimas quando há um furacão.
O elemento da natureza que mais mata
ainda é a estupidez humana.
O que vocês lerão abaixo e a
atualização de um post que publiquei no dia 21 de março
de 2014. A segurança pública do Rio já dava sinais de colapso.
O texto, com vídeo, remete a um evento
eleitoral de 2010, quando Dilma disputava a primeira eleição presidencial, e
Sérgio Cabral, a reeleição ao governo do Rio.
Era o tempo em que eles andavam de
braços dados, como amigos inseparáveis. A política de segurança pública do Rio
era considerada um exemplo a ser seguido em todo o Brasil. Prestem atenção ao
vídeo a partir de 1min30s. Transcrevo a fala da agora presidente em seguida.
Disse Dilma:
“A gente considera que o resultado da
política aqui, dessa parceria do governo federal com o governo estadual, aqui,
com o governador Sérgio Cabral, ela construiu uma referência no que se refere
(!!!) à… No que se refere basicamente à… estruturação de uma política de
segurança através das Unidades de Polícia Pacificadora. É transformar
territórios em guerra em territórios de paz (…) Em muitos estados, não
transferiram os chefes do crime organizado para as penitenciárias de segurança
máxima. Aqui foi transferido. Os daqui estão em Catanduvas, Campo Grande e
Mossoró. Com isso, o que é que acontece? Você tira do presídio os líderes e os
cabeças e impede que os presídios sejam transformados em plataformas do crime
(…)
Retomo
Bem, é a Dilma dos velhos tempos, com
um raciocínio ainda mais confuso do que o de hoje e um vocabulário mais
estreito. Mas está claro no vídeo, editado como propaganda, que a política de
segurança de Sérgio Cabral era considerada exemplar.
Seis anos depois, o Rio é um faroeste
caboclo. E não foi por falta de aviso. Não! Leitores, eu não acho que Cabral e
José Mariano Beltrame, secretário de Segurança Pública que agora pede demissão,
deveriam ter ouvido as minhas advertências. Penso que ambos, mais uma boa leva
de bacanas que resolveram jogar os fatos no lixo, deveriam ter ouvido os apelos
da lógica. A Internet presta uma grande contribuição à memória.
Pesquisem neste blog e em toda parte:
durante uns bons anos, na grande imprensa, devo ter sido o único crítico da
política de segurança do Rio. Apanhava que dava gosto — inclusive de muitos
amigos cariocas! Alguns deles chegaram a se engajar numa pré-campanha para
fazer de Beltrame candidato ao Prêmio Nobel da Paz. Sim, eu sei! Até Arafat
ganhou o seu… Mas o ridículo em estranhos dói menos do que em pessoas que a
gente ama ou admira, né?
As críticas que eu fazia às UPPs eram
compreendidas ou pelo avesso ou simplesmente não eram compreendidas de modo
nenhum. É evidente que eu não era — e os textos estão em arquivo — nem poderia
ser contra a chegada de postos policiais aos morros. Aliás, escandaloso é que
não houvesse isso no Rio. Há quanto tempo existe essa modalidade de polícia em
São Paulo, por exemplo? Há décadas. Nunca foi chamada de “polícia
pacificadora”. É garantia de segurança? Garantia não é. Mas não existem, em São
Paulo, áreas onde a polícia não entra, como ainda há no Rio, e todo mundo sabe
disso.
O nome “Polícia Pacificadora” sempre me
irritou porque carrega consigo uma óbvia impostura, mas também uma revelação
involuntária. “Pacificar” quem exatamente? Pactos de paz se estabelecem entre
inimigos beligerantes, postos em pé de igualdade e considerados igualmente
legítimos. Cabe hoje, como sempre coube, a pergunta: quem está de cada lado?
Então vamos estabelecer a “pax” entre a bandidagem e suas vítimas, é isso?
Entre a lei e a não-lei? Entre a sociedade de direito e o arbítrio do crime?
Sim, infelizmente, sempre se tratou
exatamente disto: a polícia dita “pacificadora” traz na sua origem o
reconhecimento de que existe certa legitimidade no banditismo. O que se cobrava
dele é que fosse mais discreto; que não tiranizasse as populações do morro; que
não as submetesse a uma disciplina escandalosamente de exceção; que não saísse
matando desbragadamente; que fizesse o seu tráfico, mas com um pouco mais de
decoro.
Tanto isso é verdade que essa
“pacificação” tinha, e tem, como um de seus fundamentos, não prender bandidos.
Ao contrário: o anúncio da “ocupação” dos morros é feito com grande
antecedência para que dê tempo para a tigrada sair correndo — ou, então,
para que se recolha à discrição. E isso sempre encantou os
deslumbrados e os especialistas nos próprios preconceitos, vendidos como
grandes sábios da segurança pública. Quando se ocupavam os morros sem dar um
único tiro, aquilo lhes parecia poesia. ‘Ah, então você acha que tem de dar
tiro?”, poderia perguntar um idiota. Não! Penso que atirar ou não é irrelevante
como evidência da paz. Se o silêncio decorre de um pacto informal com a
bandidagem, então não se tem paz, mas a guerra feita por outros meios.
Como esquecer que, em 2010, a então
candidata do PT à Presidência, Dilma Rousseff, como se vê lá no alto,
considerava que o Rio de Janeiro um exemplo a ser seguido. Para ela, ruim mesmo
era a segurança em São Paulo. Escrevi naquele 2010 o óbvio: o Rio tinha,
segundo o Mapa da Violência, 26,2 homicídios por 100 mil habitantes; São Paulo,
13,2. Hoje, essa diferença aumentou.
Segundo o Anuário de Segurança Pública,
São Paulo tem 633,1 presos por 100 mil habitantes com mais de 18 anos; no Rio,
essa taxa é de 281,5. Na comparação, é evidente que o Rio prende pouco. E não
menos evidente é a existência de uma relação proporcional entre taxa de
reclusão e taxa de homicídios. A Bahia, o segundo estado que menos prende no
Brasil (134,6 por 100 mil) — só perde para o Maranhão (128,5) — tem uma taxa de
homicídios de 40,7 por 100 mil habitantes, quase o quádruplo, hoje, da de São
Paulo.
Volto ao Rio. Os números e a realidade
evidenciam que a política deliberada de não prender criminosos não funciona —
ou funciona enquanto o crime organizado deixa. É claro que prender custa caro,
dá trabalho e traz problemas novos. Mas ainda é o mais seguro a fazer. Os
erros, as imposturas e o deslumbramento cobram agora o seu preço.
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