Por Augusto Nunes, 20/04/2016,
www.veja.com.br
Texto de
José Nêumanne publicado no Estadão
Após sofrer, domingo, derrota fragorosa no plenário
da Câmara dos Deputados – 367 do total de 513 votaram pela abertura do processo
de seu impeachment, 146 contra, 7 se abstiveram e 2 faltaram à sessão –, a
“presidenta” da República, que já causara as crises monumentais na economia e
na política, deu a partida para um leviano e grave conflito de natureza
institucional.
Anteontem, em entrevista coletiva, Dilma Rousseff
acusou mais de dois terços desses parlamentares de terem autorizado o Senado a
processá-la por motivo torpe: vingança do presidente da Câmara, Eduardo Cunha,
“por não termos aceitado negociar os votos dentro do Conselho de Ética”. A
titular do Poder Executivo afrontou o Poder Legislativo, que representa a
cidadania. E não atentou para o Judiciário, que, por 8 votos a 2, definiu o
processo como dentro da lei.
Sua arrogante e meramente retórica insistência na
hipótese estapafúrdia da ocorrência de um golpe de Estado jurídico, parlamentar
e popular (!) reflete o isolamento de um desgoverno incompetente e inconseqüente,
cuja “chefa” sempre dá as costas para a grande maioria da população, que,
assustada com a catástrofe que torna seu dia a dia infernal, festejou a decisão
da Câmara com um carnaval nas ruas, em que restou a quem a apóia chorar e
calar.
Na entrevista, Dilma insistiu num discurso no qual
todo brasileiro de posse das faculdades mentais identifica o desprezo dela e de
quem a apóia pela inteligência do cidadão e pelo Estado Democrático de Direito,
sob cuja égide a sociedade tem tentado manter-se, ainda que a duríssimas penas.
Como no domingo, à noite, havia feito José Eduardo
Cardozo, advogado-geral da União, que age como causídico privado da madama,
esta também apelou para a luta dela por suas convicções, que ele chamou de
“libertárias”. Mas a ex-guerrilheira do VAR-Palmares é uma libertária de
ocasião. Ela entrou na política desafiando uma ditadura que torturou, matou e
restringiu liberdades para ficar no poder. Mas nunca o fez em defesa da
liberdade.
Dilma pegou mesmo em armas na tentativa lunática de
substituir o regime direitista por outra ditadura, só que de esquerda. Mas com
o mesmo ódio mortal do regime oponente por quaisquer arroubos de dissidência,
por mais tênues que fossem. A aventura irresponsável dos jovens de extrema
esquerda de sua geração podia ter objetivos generosos. Mas os ideais comunistas
foram conspurcados por tiranos de truculência similar à de seus inimigos (nem
sempre) da direita. Stalin, Pol Pot, Mao Tsé-tung e Fidel Castro nunca em nada
ficaram a dever a Hitler, Mussolini, Franco ou aos militares, ditos gorilas,
latino-americanos. Essa saga é mentirosa, como as promessas que ela fez na
eleição de 2014.
Como a Pasionaria espanhola, Dilma “Coração
Valente” arriscou a vida pela causa e sobreviveu. Com o fim da ditadura, que a
torturou, ela participou da reconstrução da plena democracia com os pés na
disputa pelo voto popular e a cabeça na utopia de Marx e Engels, que Lenin
deturpou.
Não lhe faltou companhia nesse populismo de
fancaria. Tendo, antes, sobrevivido à sombra do “socialismo moreno” do caudilho
Leonel Brizola, chegou aos píncaros da glória na República no Partido dos
Trabalhadores (PT) de Lula, nosso farsante de estimação. Mais popular líder
político da História, o operário braçal chegou à Presidência e a fez sucessora
numa trajetória em que se misturam falácia, bazófia e farsa. Egresso do
sindicalismo dito autêntico na ditadura e principal prócer petista, o
ex-dirigente sindical expurgou do PT os deputados que votaram em Tancredo Neves
no Colégio Eleitoral, porque eles se recusaram a obedecer a seu equívoco de
considerar o candidato que fundaria a Nova República igual ao adversário, Paulo
Maluf. O PT nunca aderiu a Tancredo e seus seguidores fiéis. Mas se aliou a
quem, antes, tratava como símbolo da corrupção e “filhote da ditadura”.
Em nome do purismo ideológico, o partido recusou-se
a aceitar os termos da Constituição democrática, que pôs fim à ditadura.
Assinou-a contragosto e à undécima hora. Mesmo tendo participado, em 1992, da
derrubada de Collor, que o derrotara em 1989, Lula opôs-se ao mandato-tampão do
vice empossado Itamar Franco. E expulsou do PT a ex-prefeita de São Paulo Luiza
Erundina por ter ela ocupado cargo de alto escalão na gestão que faria a maior
revolução social da História: o Plano Real.
Para superar a rejeição, que o levava a perder
eleições por culpa dos sagrados princípios socialistas do partido de
ex-guerrilheiros, ex-padres de passeata e ex-sindicalistas, Lula, com seu
charme de retirante da seca e homem do povo, subiu, enfim, ao topo do poder
republicano. Ali instalado, logo relegou os ideais populistas bolivarianos ao
papel secundário de convencer os pobres a manterem no poder seus asseclas, que
se dedicaram a arrombar os cofres da viúva.
Assim, tornou viável o maior assalto praticado no
Brasil em todos os tempos. Os casos Celso Daniel, Mensalão e Petrolão são
capítulos de um roubo só, desvendado pela Lava Jato. E a utopia esquerdista
virou nota de pé de página na história policial de uma roubalheira feita por
bandidos empenhados em enriquecer a custa de pobres, cujos votos de cabresto
foram garantidos em troca de esmolas para sobreviver, pagas enquanto a Pátria
Enganadora pôde bancar a farra bilionária.
Essas são a verdadeira história do lulopetismo e a
autêntica saga da guerrilheira de codinome Estela, que neste momento usa a sede
do poder republicano, o Palácio do Planalto, como se fosse esconderijo
(“aparelho”) para se manter a salvo da polícia e da Justiça. O resto é retórica
rasteira para vender o papo de camelô das “conquistas sociais”. A derrota na
Câmara, domingo, pode ter sido o primeiro parágrafo do epílogo dessa narrativa
de filme noir de gângster. Mas, para isso, o Senado ainda precisa
corresponder à ira do povo enganado, que ronca nas ruas.
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