Por
Juremir Machado da Silva, 24/04/2016,
www.correiodopovo.com.br
A razão real que os inimigos de Dilma Rousseff querem
seu impeachment David Miranda
Corrupção é só um pretexto para os ricos e poderosos
que falharam em derrotá-la nas eleições
A história da
crise política no Brasil, e a mudança rápida da perspectiva global em torno
dela, começa pela sua mídia nacional. A imprensa e as emissoras de TV
dominantes no país estão nas mãos de um pequeno grupo de famílias, entre as
mais ricas do Brasil, e são claramente conservadoras. Por décadas, esses meios
de comunicação têm sido usados em favor dos ricos brasileiros, assegurando que
a grande desigualdade social (e a irregularidade política que a causa)
permanecesse a mesma.
Aliás, a maioria
dos grandes grupos de mídia atuais – que aparentam ser respeitáveis para quem é
de fora – apoiaram o golpe militar de 1964 que trouxe duas décadas de uma
ditadura de direita e enriqueceu ainda mais as oligarquias do país. Esse evento
histórico chave ainda joga uma sombra sobre a identidade e política do país.
Essas corporações – lideradas pelos múltiplos braços midiáticos das Organizações
Globo – anunciaram o golpe como um ataque nobre à corrupção de um governo
progressista democraticamente eleito. Soa familiar?
Por um ano, esses
mesmos grupos midiáticos têm vendido uma narrativa atraente: uma população
insatisfeita, impulsionada pela fúria contra um governo corrupto, se organiza e
demanda a derrubada da primeira presidente mulher do Brasil, Dilma Rousseff, e
do Partido dos Trabalhadores (PT). O mundo viu inúmeras imagens de grandes
multidões protestando nas ruas, uma visão sempre inspiradora.
Mas o que muitos
fora do Brasil não viram foi que a mídia plutocrática do país gastou meses
incitando esses protestos (enquanto pretendia apenas “cobri-los”). Os
manifestantes não representavam nem de longe a população do Brasil. Ao
contrário, eles eram desproporcionalmente brancos e ricos: as mesmas pessoas
que se opuseram ao PT e seus programas de combate à pobreza por duas décadas.
Aos poucos, o
resto do mundo começou a ver além da caricatura simples e bidimensional criada
pela imprensa local, e a reconhecer quem obterá o poder uma vez que Rousseff
seja derrubada. Agora tornou-se claro que a corrupção não é a razão de todo o
esforço para retirar do cargo a presidente reeleita do Brasil; na verdade, a
corrupção é apenas o pretexto.
O partido de Dilma,
de centro-esquerda, conseguiu a presidência pela primeira vez em 2002, quando
seu antecessor, Lula da Silva, obteve uma vitória espetacular. Graças a sua
popularidade e carisma, e reforçada pela grande expansão econômica do Brasil
durante seu mandato na presidência, o PT ganhou quatro eleições presidenciais
seguidas – incluindo a vitória de Dilma em 2010 e, apenas 18 meses atrás, sua
reeleição com 54 milhões de votos.
A elite do país e
seus grupos midiáticos fracassaram, várias vezes, em seus esforços para
derrotar o partido nas urnas. Mas plutocratas não são conhecidos por aceitarem
a derrota de forma gentil, ou por jogarem de acordo com as regras. O que foram
incapazes de conseguir democraticamente, eles agora estão tentando alcançar de
maneira antidemocrática: agrupando uma mistura bizarra de políticos –
evangélicos extremistas, apoiadores da extrema direita que defendem a volta do
regime militar, figuras dos bastidores sem ideologia alguma – para simplesmente
derrubarem ela do cargo.
Inclusive, aqueles
liderando a campanha pelo impeachment dela e os que estão na linha sucessória
do poder – principalmente o inelegível Presidente da Câmara Eduardo Cunha –
estão bem mais envolvidos em escândalos de corrupção do que ela. Cunha foi pego
ano passado com milhões de dólares de subornos em contas secretas na Suíça,
logo depois de ter mentido ao negar no Congresso que tivesse contas no
exterior. Cunha também aparece no Panamá Papers, com provas de que agiu para
esconder seus milhões ilícitos em paraísos fiscais para não ser detectado e
evitar responsabilidades fiscais.
É impossível
marchar de forma convincente atrás de um banner de “contra a corrupção” e
“democracia” quando simultaneamente se trabalha para instalar no poder algumas
das figuras políticas mais corruptas e antipáticas do país. Palavras não podem
descrever o surrealismo de assistir a votação no Congresso do pedido de
impeachment para o senado, enquanto um membro evidentemente corrupto após o
outro se endereçava a Cunha, proclamando com uma expressão séria que votavam
pela remoção de Dilma por causa da raiva que sentiam da corrupção.
Como o The
Guardian reportou: “Sim, votou Paulo Maluf, que está na lista vermelha da
Interpol por conspiração. Sim, votou Nilton Capixaba, que é acusado de lavagem
de dinheiro. ‘Pelo amor de Deus", sim! Declarou Silas Câmara, que está sob
investigação por forjar documentos e por desvio de dinheiro público.”
Mas esses
políticos abusaram da situação. Nem os mais poderosos do Brasil podem convencer
o mundo de que o impeachment de Dilma é sobre combater a corrupção – seu
esquema iria dar mais poder a políticos cujos escândalos próprios destruiriam
qualquer carreira em uma democracia saudável.
Um artigo do New
York Times da semana passada reportou que “60% dos 594 membros do Congresso
brasileiro” – aqueles votando para a cassação de Dilma- “enfrentam sérias
acusações como suborno, fraude eleitoral, desmatamento ilegal, seqüestro e
homicídio”. Por contraste, disse o artigo, Rousseff “é uma espécie rara entre
as principais figuras políticas do Brasil: Ela não foi acusada de roubar para
si mesma”.
O chocante
espetáculo da Câmara dos Deputados televisionado domingo passado recebeu
atenção mundial devido a algumas repulsivas (e reveladoras) afirmações dos
defensores do impeachment. Um deles, o proeminente congressista de direita Jair
Bolsonaro – que muitos esperam que concorra à presidência e em pesquisas
recentes é o candidato líder entre os brasileiros mais ricos – disse que estava
votando em homenagem a um coronel que violou os direitos humanos durante a
ditadura militar e que foi um dos torturadores responsáveis por Dilma. Seu
filho, Eduardo, orgulhosamente dedicou o voto aos “militares de 64” – aqueles
que lideraram o golpe.
Até agora, os
brasileiros têm direcionando sua atenção exclusivamente para Rousseff, que está
profundamente impopular devido à grave recessão atual do país. Ninguém sabe
como os brasileiros, especialmente as classes mais pobres e trabalhadoras, irão
reagir quando verem seu novo chefe de estado recém-instalado: um vice-presidente
pró-negócios, sem identidade e manchado de corrupção que, segundo as pesquisas
mostram, a maioria dos brasileiros também querem que seja cassado.
O mais instável de
tudo, é que muitos – incluindo os promotores e investigadores que tem promovido
a varredura da corrupção – temem que o real plano por trás do impeachment de
Rousseff é botar um fim nas investigações em andamento, assim protegendo a
corrupção, invés de puni-la. Há um risco real de que uma vez que ela seja
cassada, a mídia brasileira não irá mais se focar na corrupção, o interesse
público irá se desmanchar, e as novas facções de Brasília no poder estarão
hábeis para explorar o apoio da maioria do Congresso para paralisar as
investigações e se protegerem.
Por fim, as elites
políticas e a mídia do Brasil têm brincado com os mecanismos da democracia.
Isso é um jogo imprevisível e perigoso para se jogar em qualquer lugar, porém
mais ainda em uma democracia tão jovem com uma história recente de
instabilidade política e tirania, e onde milhões estão furiosos com a crise
econômica que enfrentam.
Nenhum comentário:
Postar um comentário