Em 1984, nós pedíamos, na Sé,
além das diretas, uma “Constituinte livre e soberana”, que foi eleita em 1986.
A Constituição em vigor, aprovada em 1988, é fruto desse processo. E são contra
a Carta Magna que se mobilizaram nesta quinta os petistas e outros esquerdistas
Por Reinaldo
Azevedo, 01/04/2016,
www.veja.com.br
Trinta e dois anos depois de a Praça da
Sé sediar o primeiro grande comício das Diretas-já, o local voltou a ser
ocupado, nesta quinta, por manifestantes — 40 mil segundo o Datafolha.
Há mais de três décadas, democratas e
esquerdistas dos mais variados matizes cobravam o restabelecimento das eleições
diretas para presidente da República — a primeira safra de governadores
escolhidos pelo povo havia ocorrido dois anos antes, em 1982.
Era 25 de janeiro, aniversário de São
Paulo. Lembro-me como se fosse hoje. Os petistas estavam na linha de frente do
protesto e, ora vejam, naquele tempo, só seus próprios integrantes escapavam
das vaias da militância. Até Ulysses Guimarães foi alvo de ofensas. Afinal, o
partido não queria conversa com burguês porque “dos trabalhadores”. Estupidez,
sim! Mas havia certa dignidade naquele radicalismo tosco.
Como não observar? Quase metade desses
32 anos — estamos no 14º —, o país ficou sob os cuidados do PT. Se, em muitos
aspectos, continuamos a ser a terra de desigualdades e iniqüidades, muito se
deve, então, à clarividência dos companheiros, não é mesmo? Nesses 32 anos, ou
eles estavam no comando ou estavam sabotando soluções justas, como a reforma da
Previdência, que nunca fizeram nem deixaram que fizessem.
Ah, era bom gritar contra o
autoritarismo militar, a inflação, a corrupção. Com todo o horror que uma
ditadura sempre traz consigo, é claro que o regime dos generais era um convento
se comparado aos métodos petistas de gestão. E não! Nem assim a ditadura era
desculpável.
Trinta e dois anos depois, os supostos
40 mil da Praça da Sé, reunidos em pleno dia útil, não estavam reivindicando
mais democracia, não estavam defendendo o estado de direito, não estavam
lutando por mais justiça. Muito pelo contrário.
Os esbirros do partido tomaram a praça
para, na prática, defender o que Wagner Moura chamou “um projeto de poder
amparado por um esquema de corrupção”. Bem, já não é mais projeto, mas obra.
Não é apenas “amparado” pelo esquema; ele é o próprio esquema.
Já virou um clichê citar o Marx
(relendo Hegel), segundo o qual os fatos históricos acontecem duas vezes:
a primeira como tragédia; a segunda como farsa. Raramente vi uma situação em
que tal frase se encaixasse com tamanha perfeição: em 1984, a tragédia da
derrota das diretas; em 2016 a farsa do falso golpe.
Em 1984, nós pedíamos, além das
diretas, uma “Constituinte livre e soberana”, que foi eleita em 1986. A
Constituição em vigor, aprovada em 1988, é fruto desse processo. E são contra a
Carta Magna que se mobilizaram nesta quinta os petistas e outros esquerdistas.
A manifestação de 1984 cobrava mais
liberdade; a de 2016 quer o regime das milícias partidárias; a manifestação de
1984 reivindicava um regime pautado pelas leis; a de 2016 pede que a lei seja
ignorada em benefício de um partido; a manifestação de 1984 queria alinhar o
país com as vanguardas democráticas do mundo; a de 2016 tem como
parâmetro a dita “revolução bolivariana”; a manifestação de 1984 considerava a
democracia um valor universal; a de 2016 vê em tal regime apenas um valor
instrumental.
Dilma tem razão quando diz que, em 31
de março de 1964, chamaram um “golpe” de “revolução”. No dia 31 de março de
2016, ela e seus aliados fizeram o contrário: chamaram a revolução — a da lei —
de golpe.
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