Por Augusto Nunes, 08/04/2016,
www.veja.com.br
Texto de
Carlos Alberto Sardenberg publicado no Globo
“Isso deve ser coisa daquele juiz brasileiro” — foi
o comentário ouvido em rodas de conversas no Panamá, nesta semana, quando
estourou o caso dos “Panamá Papers”. O tal juiz, claro, só pode ser Sergio
Moro, bastante conhecido no país por causa da Odebrecht. Quer dizer, por causa
da prisão de Marcelo Odebrecht, ali reconhecido como o dono da maior companhia
da América Latina.
Eu estava por lá, em visita particular, quando da
prisão. O pessoal parecia estupefato. Preso em uma cela comum? — espantavam-se
desde executivos nacionais e estrangeiros a motoristas de Uber.
A empreiteira tem obras importantes por lá — aliás,
discute com o atual governo uma revisão nos planos e custo do aeroporto — e é o
“mecenas” número um do principal museu local, um magnífico prédio do arquiteto
Frank Gehry.
Tudo isso apanha o Panamá num momento especial. O
escritório Mossack Fonseca ganhou muito dinheiro com a condição de paraíso
fiscal de que o país desfrutou durante anos a fio. Formou-se, e ainda trabalha
por lá, uma expressiva comunidade de executivos financeiros de várias
nacionalidades.
De uns tempos para cá, quando os Estados Unidos, a
União Européia e instituições internacionais, como o FMI, iniciaram a guerra
contra o dinheiro sujo que alimenta a corrupção, o tráfico de drogas e o
terrorismo, o Panamá foi apanhado no contrapé. Aquilo que era vantagem
competitiva — o paraíso fiscal — tornou-se um peso, um pecado que passou a
espantar empresas e capitais.
Para resumir, o atual governo, do presidente Juan
Carlos Varela, aplica um programa de desmonte do paraíso fiscal. Já conseguiu
aprovar uma legislação restritiva, chancelada pelo FMI, e faz uma campanha
interna alertando que lavagem de dinheiro é crime e deve ser denunciada. A
operação não é simples, entretanto. O governo quer banir a lavagem, mas
pretende que o Panamá permaneça como um “hub” financeiro para a América Latina,
isso incluindo Miami.
Nessa hora, aparece o caso do escritório Mossack
Fonseca. O sócio Ramon Fonseca é da mais alta elite panamenha. Além de
advogado, é escritor (romances, novelas) e político. Não tem Lava Jato no
Panamá, mas a elite local ligada aos velhos hábitos, digamos assim, entra na
alça de mira internacional.
É claro que não foi o juiz Sérgio Moro que
deflagrou a operação “Panamá Papers”. Mas a Lava Jato, se não passou, vai
passar por esse canal. E isso explica por que o pessoal do Panamá chega a
imaginar que era tudo coisa “daquele juiz brasileiro”.
A Lava Jato, simbolizada em Moro, é parte de um
fenômeno mundial — a campanha policial e jurídica em busca das quadrilhas que
promovem ou participam da lavagem de dinheiro. Não se trata só de mais uma
operação.
Na última segunda, o Whatsapp brasileiro passou a
exibir a informação de que as mensagens agora são criptografadas “de ponta a
ponta”. Quando tratamos disso na CBN, muitos ouvintes perguntaram: é coisa da
Lava Jato?
Não, claro, mas de certa forma… Trata-se de um
reforço na privacidade. Criptografadas, as mensagens não podem ser lidas nem
pelo Whatsapp, nem por terceiros. Quer dizer que não podem ser grampeadas?
Não vai demorar muito para termos aqui um caso
parecido com o FBI x Apple, quando a agência queria que a companhia quebrasse o
código do Iphone de um terrorista. Não é de se esperar que um juiz brasileiro
acabe pedindo que o Whatsapp quebre a criptografia para apanhar um suspeito?
Ou, se o próprio pessoal da Lava Jato, com autorização do juiz, quebrar a
criptografia e captar conversas suspeitas, essa prova terá validade nos
tribunais?
Notem: o uso de uma tecnologia de informação de
ponta é parte essencial das operações tipo Lava Jato no mundo todo. São
eficientes e rápidas. Talvez pela primeira vez no Brasil uma operação
anticorrupção seja mais capaz do que a própria corrupção. Ou ainda: tem uma
capacidade de gerar provas muito mais intensas do que a habilidade dos
advogados e seus clientes de oferecer explicações e defesas.
Por isso a Lava Jato é celebrada — de Curitiba ao
Panamá —, mas por isso também assusta um determinado público, nos mesmos
lugares. Há movimentos nos meios políticos brasileiros para restringir a
legislação anticorrupção, assim como, aqui incluindo os meios jurídicos,
tentativas de limitar a capacidade da Lava Jato de buscar e produzir provas.
Conseguirão?
Talvez consigam atrasar o processo. Mas imaginem a
repercussão — mundial — de uma tentativa de cortar os braços de Moro.
E para encerrar com uma ironia: sabem qual o
segundo sobrenome de Rafael Fonseca?
Mora.
Quase.
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