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segunda-feira, 25 de abril de 2016

As pedaladas são motivo suficiente para o impeachment?



Para Janaina Paschoal, autora do pedido de impeachment, o atraso de pagamentos a bancos públicos caracterizou empréstimo e constituiu um padrão de gestão

Por Marcelo Moura & Beatriz Morrone, 04/04/2016,


 “Ela fez as pedaladas para pagar o Bolsa Família. Ela fez as pedaladas para pagar o Minha Casa Minha Vida”, disse o ex-presidente Lula, em outubro. O governo Dilma desafiou os limites da lei ao atrasar deliberadamente pagamentos a bancos públicos, por desembolsos que esses bancos fizeram em nome do governo. Tais atrasos serviram para fechar contas no azul. Outros governos também atrasaram pagamentos à Caixa, em freqüência e intensidade de outra ordem. Em oito anos, Fernando Henrique atrasou R$ 433 milhões. Em oito anos, Lula atrasou R$ 500 milhões. Nos cinco primeiros anos, Dilma atrasou R$ 33 bilhões. A Lei de Responsabilidade Fiscal, de 2000, proíbe empréstimos de bancos públicos ao governo. Discute-se se os atrasos de Dilma configuram empréstimo e se o empréstimo é um crime suficiente para justificar o impeachment. 

ÉPOCA - Por que pedaladas são motivo para impeachment?

Janaina Paschoal - O pedido de impeachment contempla outros motivos, mas, mesmo que as pedaladas fossem motivo isolado, ainda justificariam o impeachment. Há previsão clara na Constituição, na Lei do Impeachment (1079/1950) e na Lei de Responsabilidade Fiscal. Além de fazer pedaladas em quantidade de operações e valores inimagináveis, o governo Dilma fez no último ano do primeiro mandato e não escriturou que devia dinheiro a bancos públicos. A contabilidade dos bancos públicos apontava que havia crédito, enquanto o Tesouro não anotou que havia débito. Nas contas, portanto, parecia ter dinheiro sobrando. Isso tornou mais difícil a verificação das operações ilegais.

ÉPOCA - Atrasar pagamentos é pedalar?

Janaina - O crime apontado não tem nada a ver com atraso de pagamento. O crime é utilizar empréstimos de bancos públicos, o que é claramente proibido pela Lei de Responsabilidade Fiscal e pela Lei do Impeachment. Está no artigo 38 da Lei de Responsabilidade Fiscal a explicação de que operações de crédito por antecipação constituem empréstimo.

ÉPOCA - Dilma pode sofrer impeachment por algo que aconteceu no primeiro mandato?

Janaina - Sim. A defesa está usando o seguinte argumento: o artigo 86 da Constituição diz que o presidente não poderá ser responsabilizado por atos alheios às suas funções. Se apegam a esse artigo para dizer que função e mandato são a mesma coisa. Qual é o dicionário que utilizam para equiparar o significado dessas palavras? Como o argumento não se sustenta, se apegam ao artigo 15 da Lei do Impeachment, que diz que a denúncia de impeachment não poderá ser admitida se o presidente já tiver deixado o cargo. Ou seja, alegam que Dilma deixou o cargo ao terminar o primeiro mandato e iniciar o segundo. Ela nunca deixou o cargo. Quando foi assinar o termo de posse, estava dormindo no Palácio da Alvorada e, depois, voltou para dormir no Palácio da Alvorada. O Brasil ficou um dia sem presidente? Não. Portanto, é um argumento que não se sustenta.

 ÉPOCA - A perda do mandato é pena adequada para pedaladas? 

Janaina - Com certeza. O governo Dilma quebrou o país e tenta diminuir isso, como se fosse coisa pequena. Criou um superávit inexistente, em nome da reeleição. É correto ficar livre agora?

ÉPOCA - Outros governos pedalaram e não foram punidos. Por que punir agora?

Janaina - Não vi os documentos referentes às pedaladas do governo FHC e do governo Lula. Vi gráficos da própria imprensa. Se você olhar o número de operações dos governos anteriores em valores, é algo absolutamente incomparável. Dilma usou pedaladas como método de gestão. Mas não sou defensora do Fernando Henrique, tampouco do Lula. Se alguém entende que houve algo errado lá atrás e tiver documentos, que tome providências.

ÉPOCA - A definição de pedalada é tênue a ponto de por em risco a estabilidade de outros governos?

Janaina - Ao contrário. Se a gente não der uma resposta, aí sim entra em risco a estabilidade. Parece que aqui se pode tudo. O comportamento do governo federal atual é esse, ele não tem limites. Isso gera um ambiente onde todos se sentem autorizados a descumprir a lei.

Janaina Paschoal, professora de Direito da USP, autora do pedido de impeachment da presidente Dilma.

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