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quarta-feira, 13 de abril de 2016

Seis gravações escancaram a conspiração forjada pelo PT para impedir que fosse esclarecido o assassinato de Celso Daniel

Por Augusto Nunes, 08/04/2016,
www.veja.com.br

Há uma semana, a reportagem de capa de VEJA expôs o estreito parentesco que liga o Petrolão, o Mensalão e o assassinato de Celso Daniel, alvo da 27ª fase da Lava Jato, batizada de Carbono 14. Os três escândalos pertencem à mesma linhagem político-policial. Foram praticados pelo mesmo clã. E demonstram, somados, que a transformação do PT em organização fora da lei começou a desenhar-se em janeiro de 2002.

Na montanha de provas e evidências acumuladas durante o percurso do caminho da perdição, destaca-se uma preciosidade desconhecida por milhões de brasileiros: o lote de áudios que registram conversas de altíssimo teor explosivo grampeadas há mais de 14 anos. O palavrório parece avô do grampo, divulgado recentemente pelo juiz Sérgio Moro, que mostra Lula e seus devotos em ação.

Se fosse só prefeito, Celso Daniel já teria brilho suficiente para figurar na constelação das estrelas nacionais do PT. Uma das maiores cidades do país, Santo André é a primeira letra do ABC, berço político de Lula e do partido. Mas em janeiro de 2002 ele já cruzara as fronteiras da administração municipal para coordenar a montagem do programa de governo do candidato à Presidência. Ocupava o mesmo cargo que transformaria Antônio Palocci em ministro da Fazenda quando foi seqüestrado numa esquina de São Paulo, torturado e fuzilado.

Foi um crime político, berraram em coro os Altos Companheiros assim que o corpo foi encontrado numa estrada de terra perto da capital. A comissão de frente escalada pelo PT para o cortejo fúnebre, liderada por José Dirceu, Aloízio Mercadante e Luiz Eduardo Greenhalgh, caprichou no visual. O olhar colérico, o figurino de quem não tivera tempo nem cabeça para combinar o paletó com a gravata, o choro dos órfãos de pai e mãe, os cabelos cuidadosamente desalinhados – os sinais de sofrimento se acotovelavam da cabeça aos sapatos.

Até então, a única versão na praça se amparava no que tinha contado o empresário Sérgio Gomes da Silva, o “Sombra”, ex-assessor de Celso Daniel. Segundo o relato, os dois voltavam do jantar num restaurante em São Paulo quando o carro (blindado) foi interceptado numa esquina por bandidos que, estranhamente, levaram só o prefeito e nem tocaram na testemunha. O depoimento de Sombra pareceu tão verossímil quando uma nevasca no Nordeste. Mas a comissão de frente monitorada por Lula não tinha tempo a perder com possíveis contradições no samba-enredo.

Embora mal ajambrada, a letra combinava com o refrão que interessava ao PT: Celso Daniel fora assassinado por motivos políticos. Dirceu e Mercadante lembraram que panfletos atribuídos a uma misteriosa organização ultradireitista haviam prometido a execução de dirigentes do partido.  Toninho do PT, prefeito de Campinas, fora abatido a tiros em setembro de 2001. Celso Daniel era a segunda vítima. Grávido de ira com a reprise da tragédia, Greenhalgh acusou o presidente Fernando Henrique Cardoso de ter ignorado os apelos para que adotasse meia dúzia de medidas preventivas.

Em pouco tempo, a polícia paulista prendeu alguns prontuários ambulantes, que assumiram a autoria do assassinato, e deu o caso por encerrado. Paradoxalmente, o PT endossou sem ressalvas a tese do crime comum. A família de Celso Daniel discordou do desfecho conveniente. O Ministério Público achou a conclusão apressada e seguiu investigando a história muito mal contada. Logo emergiram evidências de que o crime tivera motivações políticas, sim. Só que os bandidos eram ligados ao PT.

Ainda no início do último mandato de Celso Daniel, empresários da área de transportes e pelo menos um secretário municipal haviam concebido, com a concordância da autorização do prefeito, o embrião do que o Brasil contemplaria, em escala extraordinariamente ampliada, com a descoberta do Mensalão. Praticando extorsões ou desviando dinheiro público, a quadrilha infiltrada na administração de Santo André supria campanhas do PT. Em 2001, ao constatar que os quadrilheiros estavam embolsando boa parte do dinheiro, Celso Daniel avisou que denunciaria a irregularidade ao comando do partido. Foi para tratar desse assunto que Sombra, um dos pecadores, convidou o prefeito para um jantar em São Paulo.

Entre o fim de janeiro e meados de março de 2002, investigadores da PF encarregados de esclarecer o assassinato gravaram muitas horas de conversas telefônicas entre cinco protagonistas da história de horror: Sérgio Gomes da Silva, o Sombra, Ivone Santana, namorada da vítima (que já se havia separado de Miriam Belchior), Klinger Luiz de Oliveira, secretário de Serviços Municipais, Gilberto Carvalho, secretário de Governo de Santo André, e Luiz Eduardo Greenhalgh, advogado do PT para causas especialmente cabeludas. As 42 fitas resultantes da escuta foram encaminhadas ao juiz João Carlos da Rocha Mattos.

Em março de 2003, pouco depois do início do primeiro mandato presidencial de Lula, o magistrado alegou que as gravações haviam sido feitas sem autorização judicial e ordenou que fossem destruídas. A queima de arquivo malogrou: incontáveis cópias dos áudios garantiram a eternidade dos registros telefônicos. Em outubro de 2005, quando cumpria a pena de prisão imposta ao juiz que prosperou como vendedor de sentenças, Rocha Mattos revelou a VEJA que os diálogos mais comprometedores envolviam Gilberto Carvalho, secretário-particular de Lula de janeiro de 2003 a dezembro de 2010 e chefe da Secretaria Geral da Presidência no primeiro mandato de Dilma Rousseff.

“Ele comandava todas as conversas”, disse Rocha Mattos. “Dava orientações de como as pessoas deviam proceder e mostrava preocupação com as buscas da polícia no apartamento de Celso Daniel”. Em abril de 2011, já em liberdade, Rocha Mattos reiterou a acusação. “A apuração do caso do Celso começou no fim do governo FHC”, afirmou. “A pedido do PT, a PF entrou no caso. Mas, quando o Lula assumiu, a PF virou, obviamente. Daí, ela, a PF, adulterou as fitas, eu não sei quem fez isso lá. A PF apagou as fitas, tem trechos com conversas não transcritas. O que eles fizeram foi abafar o caso, porque era muito desgastante, mais que o Mensalão. O que aconteceu foi que o dinheiro das companhias de ônibus, arrecadados para o PT, não estava chegando integralmente a Celso Daniel. Quando ele descobriu isso, a situação dele ficou muito difícil. Agentes da PF manipularam as fitas de Celso Daniel. A PF fez um filtro nas fitas para tirar o que talvez fosse mais grave envolvendo Gilberto Carvalho”.

As seis gravações escancaram a sórdida conjura dos grampeados dispostos a tudo para enterrar na vala dos crimes comuns um homicídio repleto de digitais do PT. A história do prefeito seqüestrado, torturado e morto é um caso de polícia e uma coisa da política. As conversas também revelam a alma repulsiva do bando. Celso Daniel aparece nas gravações como um entulho a remover. Não merece uma única lágrima, um mísero lamento. Os comparsas se dedicam em tempo integral à missão de livrar Sombra da cadeia e acalmar o parceiro que ameaça afundar atirando.

Ouça as vozes dos assassinos de fatos combinando o que fazer para impedir o esclarecimento do crime hediondo. Passados mais de 14 anos, a reaparição do fantasma avisa que a tramóia fracassou. Enquanto não for exumada toda a verdade sobre esse capítulo da história universal da infâmia, todos os meliantes sobreviventes serão assombrados pelo prefeito proibido de descansar em paz.

Áudio 1:
Luiz Eduardo Greenhalgh diz a Gilberto Carvalho que é preciso evitar que João Francisco, um dos irmãos de Celso Daniel, “destile ressentimentos” no depoimento que se aproxima. “Pelo amor de Deus, isso é fundamental!”, inquieta-se Carvalho.

Áudio 2:
Um interlocutor não identificado elogia Ivone Santana, que namorava Celso Daniel desde o fim do casamento com Miriam Belchior, pela entrevista concedida ao jornal Folha de S. Paulo. E incentiva a viúva da vez a repetir a performance no programa de Hebe Camargo. Alegre, Ivone informa que vai fazer o reconhecimento das roupas da vítima. O homem do outro lado da linha quer saber como “o cara” estava vestido. “O cara” é o morto que Ivone finge chorar.

Áudio 3:
A beira de um ataque de nervos, Sombra cobra de Klinger uma imediata operação de socorro. Sobressaltado com o noticiário jornalístico, exige que Gilberto Carvalho trate imediatamente de “armar alguma coisa”.

Áudio 4:
Klinger diz a Sombra que Gilberto Carvalho está preocupado com o teor do iminente depoimento do companheiro acusado de ter ordenado a morte do prefeito. Sugere um encontro entre os três para combinar o que será dito. No fim da conversa, os parceiros comemoram a prisão de um suspeito.

Áudio 5:
Gilberto Carvalho cumprimenta Ivone Santana pela boa performance em entrevistas e depoimentos. Carvalho acha que as declarações mudarão o rumo das investigações.

Áudio 6:
A secretária de Klinger retransmite a Gilberto Carvalho rumores segundo os quais a direção nacional do PT pretende manter distância do caso “para não respingar nada”. Carvalho nega e encerra o diálogo com um recado sem identificação de destinatário: é nessas horas que se percebe quem são os verdadeiros amigos.

Com a queima das provas sonoras, Rocha Mattos virou sócio do clube de magistrados para os quais uma irregularidade processual é muito mais grave que qualquer delito. Nessa escola de doutores, aprende-se que quem arromba a porta do vizinho que está matando a mãe e evita a consumação do crime deve ser preso por invasão de domicílio. Como as gravações das conversas entre Lula e seus devotos foram autorizadas pelo juiz Sérgio Moro, o ministro Teori Zavascki anda a caça de outro pretexto semelhante para declarar inexistente o palavrório que estarreceu o país.

Se seguir o exemplo do juiz ladrão, Teori não tardará a constatar que errou feio — e errou para nada. Milhares, milhões de cópias em circulação nas redes sociais informam que a verdade já não pode ser destruída. Graças à escuta promovida pela Lava Jato, foi abortada uma conspiração contra o Estado de Direito comandada por Lula e apoiada por Dilma. O resto é firula bacharelesca, conversa fiada. O essencial é que há culpados a punir. O que importa é que o castigo virá.

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