Liminar que obrigaria tramitação
de impeachment de Michel Temer é um disparate
Por Reinaldo
Azevedo, 05/04/2016,
www.veja.com.br
NOTA – Post abaixo adapta
e funde dois textos escritos nos últimos dias sobre o assunto.
Marco Aurélio concedeu uma liminar que
tenta obrigar a recepção, pela Presidência da Câmara, de uma denúncia visando a
um processo de impeachment contra Michel Temer, vice-presidente da República.
Trata-se de uma farsa jurídica, de uma fraude intelectual e de uma mentira
factual. E é o que vou demonstrar aqui.
Perdi a paciência com Marco Aurélio.
Que diferença isso faz pra ele? Que seja nenhuma! Para mim, faz toda. E isso me
basta. Mas vou contar por quê. Há categorias nas quais não admito zonas
cinzentas. A honestidade intelectual é uma delas. Ou se é honesto
intelectualmente ou não se é.
Este senhor saltou o muro cá na minha
classificação. É raro alguém me enganar nessa área, mas impossível não é. Já
cheguei a elogiar o que me parecia à coragem do doutor de andar na contramão,
mesmo quando discordei dele. O arquivo esta aí. Agora vejo o que coragem não
era, mas desejo de aparecer — isso na hipótese virtuosa.
Há um tipo de oportunismo que cresce à
sombra da generosidade alheia. Cedo ou tarde, a fraude se revela. Já me livrei,
no terreno intelectual, precocemente de algumas farsas. Outras duraram mais
tempo. É o caso. E aí a admiração cede ao fastio. As características que antes
pareciam interessantes se revelam só a reiteração da fraude. É chato! Prefiro
admirar as pessoas a desprezá-las.
Marco Aurélio surpreendeu o direito, a
lógica e o bom senso, há alguns dias, ao convidar Dilma a recorrer ao Supremo
contra a eventual aprovação da denúncia do impeachment pela Câmara, antecipando
desavergonhadamente seu voto.
Deixou claro não ver crime de
responsabilidade e ainda convidou a todos a um convescote. O ministro que, não
raro, faz questão de ser do contra, convidou Executivo e Legislativo a se
sentar à volta da mesa para resolver suas diferenças. Com mais ousadia,
incluiria também o Judiciário, entregando o país ao comando do “PUN”: o Partido
Único.
Qual é o busílis? Um advogado chamado
Mariel Marley Marra havia protocolado há tempos na Câmara uma denúncia por
crime de responsabilidade contra Michel Temer, acusando-o de responsável por
algumas pedaladas fiscais.
Cunha, sem ver motivos para tanto,
mandou arquivar o pedido. O doutor Mariel resolveu entrar com um mandado de
segurança, com pedido de liminar, para obrigar o presidente da Câmara a aceitar
o pedido, mandando constituir a comissão para avaliar o caso.
E o que fez Marco
Aurélio? Concedeu à liminar:
“Ante o quadro, defiro parcialmente a
liminar para, afastando os efeitos do ato impugnado, determinar o seguimento da
denúncia, vindo a desaguar na formação da Comissão Especial, a qual emitirá
parecer”.
O senhor Marco Aurélio parece querer
usurpar para si e para o STF uma função que, por determinação do Parágrafo 2º
do Artigo 218 do Regimento da Câmara, é exclusiva da Presidência da Casa, a
saber:
“§ 2º Recebida a denúncia pelo
Presidente, verificada a existência dos requisitos de que trata o parágrafo
anterior, será lida no expediente da sessão seguinte e despachada à Comissão
Especial eleita, da qual participem, observada a respectiva proporção,
representantes de todos os Partidos.”
Mas não é só isso, não. Lembram-se das
liminares concedidas por Teori Zavascki e Rosa Weber contra o rito do
impeachment que havia sido decidido por Cunha? Pois é… Elas fizeram duas coisas,
confirmadas pela maioria dos ministros: suspenderam o rito, MAS REAFIRMARAM QUE
É PRERROGATIVA DO PRESIDENTE DA CÂMARA RECEBER OU RECUSAR A DENÚNCIA. E FIM DE
PAPO.
Ora, foi por isso que, à época, escrevi
aqui que os dois ministros não tinham tirado poder nenhum de Cunha. Só tinham
cassado mesmo o de a oposição recorrer caso o presidente da Câmara tivesse
rejeitado a denúncia. O texto está aqui.
Aliás, houve até uma coisa engraçada.
Deputados petistas resolveram recorrer ao Supremo contra a decisão de Eduardo
Cunha. Anunciaram depois a desistência porque o relator seria Gilmar Mendes.
Com a maledicência costumeira, afirmaram que não adiantaria mesmo, já que o
ministro iria votar contra o interesse do PT. Era pura patranha. Eles sabiam
não haver a menor chance. Escrevi a respeito aqui no dia 3 de dezembro.
Concedida a liminar por Marco Aurélio,
restará à Presidência da Câmara entrar com agravo regimental para que os demais
ministros decidam. E é claro que a liminar será derrubada com base no Regimento
Interno da Câmara e na jurisprudência.
Que pena!
Que pena Marco Aurélio estar a
desempenhar esse papel! Há um grande estranhamento em certos nichos do direito
com o seu exótico comportamento. Há, no entanto, quem o ache explicável e
aponte a guinada, vamos dizer, pró-Planalto de Marco Aurélio depois que a
filha, de apenas 37 anos, foi nomeada pela presidente Dilma desembargadora do
Tribunal Regional Federal da 2ª Região, que abrange o Rio de Janeiro e o
Espírito Santo.
Sim, ela foi a mais votada de uma
listra tríplice enviada pelo tribunal à presidente. Venceu dois profissionais
bem mais experientes: Rosane Thomé, de 52 anos, e Luiz Henrique Alochio, de 43.
Comenta-se que o Planalto se movimentou para conquistar esse resultado.
Que chato! Prefiro admirar as pessoas a
desprezá-las; apontar-lhes o talento a lhes perceber a falseta. Desta feita, o
ministro foi um pouco longe demais. Ainda que seja só pelo desejo de aparecer.
Coisas estranhas
É bom que fiquemos atentos. Num dia, um
dos integrantes da corte, como Roberto Barroso, deixa claro que não considera o
PMDB uma alternativa de poder — como se lhe coubesse tal papel. E o fez nas
dependências do Supremo, como ministro do Supremo. No outro, essa peça
lamentável produzida por Marco Aurélio.
Há alguns dias, este senhor estava
vituperando contra o impeachment de Dilma. Mas resolve usurpar uma competência
do presidente da Câmara para dar seqüência a um absurdo pedido de impeachment
de Temer.
Para encerrar
As ditas pedaladas de que Temer é
acusado nem pedaladas são.
Segundo ofício do Ministério Público de
Contas Junto a TCU (ver imagem abaixo), os tais decretos assinados por Temer,
que também constituiriam pedalas, não o são ainda que ele os tivesse assinado
por vontade. A razão? Quando ele os assinou, a meta fiscal não havia sido
mudada ainda pelo governo e, portanto, os gastos estavam dentro do previsto.
Marco Aurélio não foi poupado pelo
senso de ridículo. Que os outros ministros façam a coisa certa e decidam
segundo a lei, a técnica e a jurisprudência. Ele tem de ser derrotado por 10 a
1 se os demais ministros tiverem vergonha na cara. Se não for, aí convém tirar
mesmo aquele crucifixo do Supremo e pôr no lugar o retrato de Hugo Chávez.
Afinal, a corte já terá sido infiltrada
pelos bolivarianos.
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