Para Janaina Paschoal, autora do
pedido de impeachment, o atraso de pagamentos a bancos públicos caracterizou
empréstimo e constituiu um padrão de gestão
Por
Marcelo Moura & Beatriz Morrone, 04/04/2016,
www.veja.com.br
“Ela fez as pedaladas para pagar o Bolsa Família. Ela fez as
pedaladas para pagar o Minha Casa Minha Vida”, disse o ex-presidente Lula, em
outubro. O governo Dilma desafiou os limites da lei ao atrasar deliberadamente
pagamentos a bancos públicos, por desembolsos que esses bancos fizeram em nome
do governo. Tais atrasos serviram para fechar contas no azul. Outros governos
também atrasaram pagamentos à Caixa, em freqüência e intensidade de outra
ordem. Em oito anos, Fernando Henrique atrasou R$ 433 milhões. Em oito anos,
Lula atrasou R$ 500 milhões. Nos cinco primeiros anos, Dilma atrasou R$ 33
bilhões. A Lei de Responsabilidade Fiscal, de 2000, proíbe empréstimos de
bancos públicos ao governo. Discute-se se os atrasos de Dilma configuram
empréstimo e se o empréstimo é um crime suficiente para justificar o
impeachment.
ÉPOCA - Por que
pedaladas são motivo para impeachment?
Janaina Paschoal- O pedido de impeachment contempla outros
motivos, mas, mesmo que as pedaladas fossem motivo isolado, ainda justificariam
o impeachment. Há previsão clara na Constituição, na Lei do Impeachment
(1079/1950) e na Lei de Responsabilidade Fiscal. Além de fazer pedaladas em
quantidade de operações e valores inimagináveis, o governo Dilma fez no último
ano do primeiro mandato e não escriturou que devia dinheiro a bancos públicos.
A contabilidade dos bancos públicos apontava que havia crédito, enquanto o
Tesouro não anotou que havia débito. Nas contas, portanto, parecia ter dinheiro
sobrando. Isso tornou mais difícil a verificação das operações ilegais.
ÉPOCA - Atrasar
pagamentos é pedalar?
Janaina - O crime apontado não tem nada a ver com atraso de
pagamento. O crime é utilizar empréstimos de bancos públicos, o que é
claramente proibido pela Lei de Responsabilidade Fiscal e pela Lei do
Impeachment. Está no artigo 38 da Lei de Responsabilidade Fiscal a explicação
de que operações de crédito por antecipação constituem empréstimo.
ÉPOCA - Dilma pode
sofrer impeachment por algo que aconteceu no primeiro mandato?
Janaina - Sim. A defesa está usando o seguinte argumento: o
artigo 86 da Constituição diz que o presidente não poderá ser responsabilizado
por atos alheios às suas funções. Se apegam a esse artigo para dizer que função
e mandato são a mesma coisa. Qual é o dicionário que utilizam para equiparar o
significado dessas palavras? Como o argumento não se sustenta, se apegam ao
artigo 15 da Lei do Impeachment, que diz que a denúncia de impeachment não
poderá ser admitida se o presidente já tiver deixado o cargo. Ou seja, alegam
que Dilma deixou o cargo ao terminar o primeiro mandato e iniciar o segundo.
Ela nunca deixou o cargo. Quando foi assinar o termo de posse, estava dormindo
no Palácio da Alvorada e, depois, voltou para dormir no Palácio da Alvorada. O
Brasil ficou um dia sem presidente? Não. Portanto, é um argumento que não se
sustenta.
ÉPOCA - A perda do mandato é pena adequada
para pedaladas?
Janaina - Com certeza. O governo Dilma quebrou o país e tenta
diminuir isso, como se fosse coisa pequena. Criou um superávit inexistente, em
nome da reeleição. É correto ficar livre agora?
ÉPOCA - Outros governos
pedalaram e não foram punidos. Por que punir agora?
Janaina - Não vi os documentos referentes às pedaladas do
governo FHC e do governo Lula. Vi gráficos da própria imprensa. Se você olhar o
número de operações dos governos anteriores em valores, é algo absolutamente
incomparável. Dilma usou pedaladas como método de gestão. Mas não sou defensora
do Fernando Henrique, tampouco do Lula. Se alguém entende que houve algo errado
lá atrás e tiver documentos, que tome providências.
ÉPOCA - A definição de
pedalada é tênue a ponto de por em risco a estabilidade de outros governos?
Janaina - Ao contrário. Se a gente não der uma resposta, aí
sim entra em risco a estabilidade. Parece que aqui se pode tudo. O
comportamento do governo federal atual é esse, ele não tem limites. Isso gera
um ambiente onde todos se sentem autorizados a descumprir a lei.
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