Os políticos ejetados enfrentam
um problema sem solução: em conseqüência das investigações que provocaram um
abalo termonuclear na corrupção nacional, há todo um país que vai sendo
desmontado
Por Augusto
Nunes, 04/06/2016,
www.veja.com.br
Texto de J. R. Guzzo publicado
na revista EXAME
Há certas coisas que continuam mais ou menos como
eram 2.500 anos atrás, ou algo parecido. Dos tempos da Grécia antiga nos vem,
por exemplo, a história de Diógenes, o filósofo da escola cínica que andava
pelas ruas de Atenas carregando uma lanterna em plena luz do dia. Quando alguém
lhe perguntava “para que isso, Diógenes?”, ele respondia “para ver se eu
encontro um homem honesto em Atenas”. Troque-se a Atenas de Diógenes pela
Brasília de hoje e não vai ser preciso muito tempo para concluir que as dificuldades
da vida pública não mudaram grande coisa de lá para cá. É claro que havia muita
gente honesta na Grécia, como há muita gente honesta no Brasil. Mas o
filósofo, com sua lanterna, estava apenas dando um aviso sobre as realidades da
política — particularmente sobre o problemaço que é encontrar pessoas honestas
em quantidade suficiente para construir uma vida pública de qualidade superior.
Falta gente, eis aí a imensa complicação — ou melhor, falta gente que seja ao
mesmo tempo impecável do ponto de vista ético e disposta a entrar de corpo e
alma nas ásperas necessidades da política como ela é. No terremoto que vem
devastando a existência dos políticos brasileiros há mais de um ano, e que
começou a se formar muito antes disso, está cada vez mais claro que o país vive
uma extrema escassez de justos. Onde estão?
Eis aí, no clamoroso episódio do senador Romero
Jucá, a última comprovação de que tudo está mesmo muito difícil. Acaba de ser
colocado no olho da rua, oficialmente em caráter ainda provisório, o governo
mais corrupto de toda a história do Brasil, nas modalidades ativa e passiva —
não se trata de uma opinião, mas de um fato estabelecido por números,
confissões públicas, perícias, documentos, gravações e toda uma coleção de
acontecimentos indiscutíveis que, no conjunto, já renderam 1.000 anos de
condenação a penas de prisão. Em seu lugar entra outro que, apesar de todo
o pavor instalado no mundo político — e das conseqüentes cautelas para evitar
nomes com potencial de complicações judiciárias —, não consegue atravessar seus
primeiros dias sem ter de mandar embora um ministro de Estado. O nome anunciado
para substituí-lo no cargo também faz parte dos grupos de risco. Outros,
por suspeitas diversas, nem chegaram a ser nomeados. Outros tantos, ainda, vivem
diariamente na expectativa de ser formalmente acusados de algum delito — para
não falar de todos os que já foram denunciados, encontram-se sob investigação
judicial ou estão sendo processados. É óbvio que há muitos homens
perfeitamente íntegros no presente governo, e é óbvio que há um abismo de
diferenças, em termos de moral comum, entre os governantes que acabam de entrar
e os que acabam de sair. Mas é igualmente óbvio que não existe a segurança
ética que deveria existir, num momento em que a paciência do Brasil com
acusações de má conduta é mínima e a morte política virou mal súbito.
Isso tudo parece provar que as coisas vão muito
mal, como nos tempos de Diógenes, e realmente vão. Ao mesmo tempo, podem estar
indo melhor do que jamais foram. Aconteça o que acontecer, há no Brasil um
fenômeno historicamente inédito e que se chama Operação Lava Jato. Em conseqüência
direta de suas investigações e do abalo termonuclear que causou na corrupção
nacional, até a pouco dada como invencível, todo um Brasil velho está morrendo,
como morreram um dia o Império Romano, a colonização da África e o comunismo na
Rússia — não há volta possível para nada disso. O ministro Jucá foi
ejetado do governo e devolvido ao Senado Federal por causa de gravações em que
aparece tentando esfriar a fornalha da Lava Jato. Não apenas foi um erro fatal
— ele estava tentando fazer algo impossível. É este, na verdade, o problema sem
solução para os políticos do país que está sendo desmontado — os de agora e,
mais ainda, os que foram despejados. Nem eles, nem os tribunais mais
supremos, nem as organizações mais poderosas têm hoje condições de “parar a
Lava Jato”. Há um outro país aí.
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