Mensalão deixou claro que partido
manipulou crédito consignado com o BMG; pré-requisitos para a prisão preventiva
não estão dados
Por Reinaldo
Azevedo, 24/06/2016,
www.veja.com.br
Vamos lá. Nos dias confusos que vivemos
— se bem que me pergunto sempre se deixaram alguma vez de sê-lo, né? —, talvez
ninguém consiga ser inteiramente contemporâneo, isto é, entender na plenitude o
que está em curso… Retomo: nestes dias, as pessoas tendem a cobrar do analista
mais a torcida do que propriamente a análise, que, atendendo à etimologia,
significa literalmente separar um todo em partes para que possam ser estudadas.
A operação contrária é a síntese. Parto para a análise.
Não quero tomar o lugar da Justiça e
expedir aqui uma sentença, mas tudo indica que o ex-ministro Paulo Bernardo e a
sua turma se meteram numa bandalheira da pesada. A boa ideia do crédito
consignado, já disse aqui, é de 2003. Foi sugerida pelo competente Marcos
Lisboa, então secretário de Política Econômica de Antonio Palocci. Até 2008,
cada órgão público se entendia diretamente com o banco e o servidor tomador do
empréstimo.
Em 2008, Paulo Bernardo resolveu
centralizar tudo no Planejamento e se contratou, então, a tal Consist para
gerenciar o serviço. Segundo apurou a Polícia Federal — e há um delator
premiado que entregou o serviço —, tal empresa serviu à arrecadação de propina.
Ela amealhou, na vigência do contrato, R$ 140 milhões. Desse total, R$ 40
milhões teriam servido à implantação do próprio sistema; R$ 100 milhões teriam
sido destinados ao pagamento de propina. O petista Paulo Bernardo teria ficado
com R$ 7 milhões.
Não custa lembrar: não é a primeira vez
que o PT mistura roubalheira com empréstimo consignado. Pesquisem o caso do
BMG, o banco que, segundo apurou a Procuradoria-Geral da República durante o
mensalão, simulou empréstimos de R$ 43 milhões ao PT. Lula assinou uma lei, em
2003, que criou facilidades excepcionais para aquela instituição bancária se
credenciar para oferecer empréstimo consignado a aposentados e pensionistas do
INSS.
Notem: era um toma-lá-dá-cá. O dinheiro
do falso empréstimo entrou, sim, na conta do PT, mas não era para ser
devolvido. Vale dizer: empréstimo não era. O banco queria era entrar no mercado
do consignado. Conseguiu. Em 2005, o golaço para a turma: a Caixa Econômica
Federal comprou a sua carteira de clientes.
Voltemos a Bernardo
A Operação Custo Brasil, que investiga
o caso, é um desdobramento da Lava Jato, mais precisamente da 18ª fase, a
Pixuleco II, que é de agosto do ano passado — há 10 meses, portanto. Foi ali
que os investigadores tocaram no esquema, que acabou sendo separado da Lava
Jato para merecer investigação própria. Desde aquele tempo, Bernardo é
investigado.
Atenção, os elementos que vêm à luz
impressionam, sim, e sugerem que Paulo Bernardo enfiou mesmo o pé na jaca.
Mais: como demonstro, o PT não é neófito em usar o empréstimo consignado para
fazer safadeza. Mas atenção! Não se surpreendam se uma instância superior
mandar soltar o ex-ministro.
Segundo o Artigo 312 do Código de
Processo Penal, a prisão preventiva pode ser decretada 1) como garantia da
ordem pública; 2) como garantia da ordem econômica; 3) por conveniência da
instrução criminal ou 4) para garantir a aplicação da lei penal.
O juiz federal Paulo Bueno de Azevedo
usou como fundamento da preventiva os itens 1 — “o risco à ordem pública” — e
4) “garantia de aplicação da lei penal”. Então vamos ver. Eu, pessoalmente,
dados os elementos conhecidos, não tenho dúvida de que Paulo Bernardo é
culpado. Que seja julgado e condenado. Mas não me parece que, hoje, 10 meses
depois do início da investigação, ele seja uma ameaça à ordem pública ou à
aplicação da lei — a menos que existam evidências de que estava pensando em
fugir.
O juiz discorda, usando para tanto uma
tirada sociológica, não exatamente jurídica. Escreveu: “Vale lembrar que não
existe apenas risco à ordem pública quando o acusado mostra-se perigoso para a
sociedade num sentido violento. Tal interpretação fatalmente relegaria a prisão
preventiva apenas para investigados ou acusados pobres. A corrupção também
representa um perigo invisível para a sociedade”.
Posso até concordar com a opinião dele.
É preciso ver se o Artigo 312 do Código de Processo Penal concorda. Tendo a
achar que não. Ou todos os acusados de corrupção seriam presos preventivamente,
antes do julgamento.
Caros, sou pago para analisar as coisas
segundo o que penso — e desde que ancorado em fatos ou na exposição dos meus
fundamentos.
Agora faço a síntese:
1: as evidências de que
a roubalheira aconteceu são gritantes;
2: acho que Paulo
Bernardo meteu o pé na jaca e é culpado;
3: o PT já fez sujeira
antes com crédito consignado;
4: acho que a prisão
preventiva de Paulo Bernardo pode ser revogada;
5: se for, não quer
dizer que ele seja inocente;
6: se for, não quer
dizer que é porque existe impunidade no Brasil;
7: a prisão preventiva
exige pré-requisitos, que, entendo, não estão dados;
8: quero que o PT e
seus comandantes apodreçam na cadeia;
9: mas quero que isso
se faça segundo os rigores da lei;
10: Não é tão difícil de
entender;
11: Mas também não é
assim tão fácil. Apenas torcer e xingar dá menos trabalho.
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