Já que parece mesmo impossível
controlar a Lava Jato ou cortar-lhe as asas, chegou à hora de apelar à tese da
ingovernabilidade
Por Augusto
Nunes, 20/06/2016,
www.veja.com.br
Editorial do Estadão
Em encontro com empresários no dia 16 passado, o
ministro-chefe da Casa Civil, Eliseu Padilha, fez elogios à Operação Lava Jato
e disse que o presidente em exercício Michel Temer apóia as investigações, mas
fez uma significativa observação: “Tenho certeza de que os principais agentes
da Lava Jato terão a sensibilidade para saber o momento em que eles deverão
aprofundar ao extremo e também de caminhar rumo a uma definição final”, pois só
assim serão evitados “efeitos deletérios”. Com isso, o ministro jogou a cartada
da possibilidade do colapso do sistema político – como aconteceu com a Mani
Pulite, na Itália – para evitar que a Lava Jato vá, segundo sua opinião, longe
demais.
Muito se tem dito, quase sempre em tom de denúncia,
a respeito de manobras e conchavos de políticos graúdos para interferir nas
investigações da Lava Jato. Meias-palavras captadas em grampos, ditas na
maioria das vezes, em tom de mero comentário têm sido suficientes para dar
impulso a teorias conspirativas de todo tipo, alimentadas pela sensação geral
de que, como as coisas vão ninguém se salvará em Brasília. Isso não significa
que os parlamentares que se viram envolvidos ou temem em breve vir a sê-lo não
tenham o desejo de enterrar a Lava Jato, já que a operação está a lhes depenar
a galinha dos ovos de ouro. Mas o fato concreto é que, se houve ou há qualquer
intenção de atrapalhar a Lava Jato, e se essa intenção foi de alguma forma
transformada em manobra concreta, a tramóia foi até aqui muito malsucedida,
pois raros são os dias em que não aparecem novas denúncias a sacudir o mundo
político. Por essa razão, já que parece mesmo impossível controlar a Lava Jato
ou cortar-lhe as asas, chegou a hora de apelar à tese da ingovernabilidade ou
de reação avassaladora contra o movimento moralizador, como fez Padilha.
Para ilustrar os “efeitos deletérios” aos quais fez
referência, o ministro lembrou da Operação Mãos Limpas, investigação italiana
que inspirou a Lava Jato. Segundo Padilha, na Mãos Limpas “não houve essa
sinalização” a respeito do fim dos trabalhos, como ele espera da Lava Jato. O
resultado foi à destruição de alguns dos principais partidos políticos
italianos, envolvidos em grossa corrupção, e a ascensão do populismo
aventureiro de Silvio Berlusconi. “Eu vi e li o que aconteceu com a Operação
Mãos Limpas na Itália. Todos eles (da Lava Jato) conhecem tanto quanto eu.
Temos que fazer com que tenhamos o melhor resultado possível”, explicou Padilha
mais tarde aos jornalistas, sugerindo que o “melhor resultado possível” é
aquele obtido até agora, sem necessariamente avançar mais.
Essa tem sido, aliás, desde sempre, a principal
crítica dos adversários da Lava Jato, mas trata-se de uma falsa questão. De
fato, a investigação na Itália, nos anos 1990, dizimou o sistema político, e o
vácuo de poder criado foi logo ocupado por Berlusconi. Mas atribuir essa
situação à Operação Mãos Limpa, que apenas cumpriu sua missão de prender os
assaltantes do Estado italiano, é isentar de responsabilidade os partidos, os
líderes políticos e os empresários que haviam transformado a democracia
representativa em um meio eficaz de enriquecimento. E que, depois,
reconstruíram os mecanismos de impunidade que haviam sido demolidos pelos
promotores e juízes. Não haveria necessidade de Operação Mãos Limpas se, antes,
não houvesse sujeira nas mãos.
Entende-se a preocupação do mundo político com a
Lava Jato. A corrupção, que era apenas resultado de oportunidades criadas pelo
gigantismo do Estado no País, graças aos governos do PT transformou-se em um
método de administração e de manutenção do poder. O que a Lava Jato está
revelando, pedaço por pedaço, é o esquema de seqüestro do Estado para fins de
perpetuação de uma casta política, totalmente indiferente ao voto recebido na
urna – obtido, aliás, por meio de campanhas financiadas com dinheiro roubado de
estatais.
É esse o círculo – virtuoso para seus usufrutuários
criminosos – que está a caminho de ser rompido. Faz sentido que os políticos
queiram “concluir” a Lava Jato antes que toda a verdade seja conhecida. Do
ponto de vista da sociedade, porém, está mais do que claro que a Lava Jato deve
durar o tempo que for necessário, até que todos os que exploraram a democracia
para se locupletar paguem pelo que fizeram.
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