A prisão de um ex-ministro de Lula e Dilma mostra
que nada estava imune à mão invisível da corrupção nos governos do partido
Por Rodrigo
Range, l24/06/2016,
www.veja.com.br
A cena acima resume a realidade de um partido
político que surgiu como esperança de renovação, apresentou-se como baluarte da
ética e terminou como uma organização criminosa, cercado pela polícia. Ainda
estava escuro na quinta-feira passada quando homens do Grupo de Pronta Intervenção,
a Swat da Polícia Federal, isolaram a rua onde funciona o Diretório Nacional do
PT, no centro de São Paulo. Os agentes estavam cumprindo um mandado judicial,
em busca de provas contra uma quadrilha que, durante cinco anos, embolsou 100
milhões de reais em mais um esquema de corrupção. Nada a ver com os intrincados
desfalques contra a Petrobras, a Eletrobrás, os Correios, a Infraero, os fundos
de pensão das estatais e sabe-se lá o que mais. Dessa vez foi, pode-se dizer um
assalto direto: o Partido dos Trabalhadores tomou o dinheiro de milhares de
servidores públicos ativos e inativos - e, luxo de sadismo, justamente os mais
endividados.
A presença de policiais armados de fuzil e
metralhadora vigiando a entrada da sede do PT pareceu exagerada, mas era apenas
precaução considerada necessária pelo serviço de inteligência da PF. Era ali,
na sede nacional, que despachava o notório Delúbio Soares, o tesoureiro do
mensalão. Dali, mais tarde, saíram às primeiras ordens do igualmente notório
João Vaccari Neto, preso e condenado por gerenciar o caixa do dinheiro
arrecadado das empreiteiras em troca de contratos na Petrobras. Na sede do PT,
como demonstram as investigações até aqui, política e corrupção conviveram em
simbiose.
Ao ingressarem no prédio, os agentes estavam
orientados a buscar cofres ou compartimentos secretos que pudessem ser usados
para esconder documentos e guardar dinheiro. Explica-se o procedimento: em
depoimento à Justiça, um dos empreiteiros confessou ter entregado pessoalmente
no diretório várias malas com dinheiro - sugerindo que poderia haver cofres
ocultos no prédio. Para garantirem o sigilo e evitarem surpresas, corruptos e
corruptores usavam senhas e contrassenhas. Há relatos também de entregas de
dinheiro em envelopes, mochilas e carros blindados. Um lobista contou ter
levado à sede do PT 500.000 reais no porta-malas do carro em 2012. Na busca da
semana passada, os cofres do partido estavam abarrotados apenas de papel e
nenhum compartimento secreto foi achado.
Na operação, batizada de Custo Brasil, a Polícia
Federal, o Ministério Público e a Receita Federal se debruçaram sobre um
esquema de corrupção montado no interior do Ministério do Planejamento. O alvo
da rapina eram funcionários públicos, pensionistas e aposentados endividados
que recorriam a empréstimos consignados, cujas prestações são descontadas
automaticamente em folha de pagamento. A cada parcela paga, os funcionários
desembolsavam em torno de 1 real a título de taxa de administração da
operadora, uma empresa chamada Consist, cuja sede fica em São Paulo. Como o
custo da taxa de administração não passava de 30 centavos, segundo estimativa
dos investigadores, os 70 centavos de superfaturamento irrigaram os cofres do
PT.
O esquema começou em 2010 e durou até 2015, quando
a polícia prendeu os primeiros envolvidos. Nesse tempo, de 70 em 70 centavos, o
PT afanou cerca de 100 milhões de reais pagos pelos funcionários públicos. Uma
parcela do dinheiro era destinada diretamente ao caixa dois do partido, gerido
por João Vaccari. A outra era dividida entre os petistas que executaram a tramóia.
O personagem mais ilustre da operação foi o ex-ministro
Paulo Bernardo, preso em Brasília no apartamento funcional em que mora com a
mulher, a senadora Gleisi Hoffmann (PT-PR). Petista histórico, Bernardo
chefiou o Ministério do Planejamento no governo Lula. No governo Dilma, foi o
titular do Ministério das Comunicações. Tinha uma participação expressiva no
rateio da propina. Segundo os investigadores, dos 100 milhões arrecadados pelo
esquema, ele recebeu pelo menos 7 milhões. A lista de beneficiários inclui mais
figurões. Carlos Gabas, ex-ministro da Previdência de Dilma, é outro envolvido.
Paulo Ferreira, ex-tesoureiro nacional do PT, também recebia uma parte dos
dividendos. Ele é o terceiro tesoureiro petista que cai na malha da polícia.
A propina, resultante dos 70 centavos de cada
funcionário, era distribuída por meio de contratos fictícios com empresas de
consultoria e escritórios de advocacia. Os investigadores suspeitam que o mesmo
esquema, de subtrair dinheiro de servidores em empréstimos consignados, exista
em outros governos. O caso do PT começou a ser tateado pelos investigadores da
Lava-Jato, mas, como não tinha relação direta com o esquema da Petrobras, o
caso foi remetido para a Justiça Federal em São Paulo. Preso, o ex-vereador
petista Alexandre Romano, também conhecido por Chambinho, confessou que era o
encarregado de gerenciar o golpe e entregou o nome de todos os envolvidos. Uma
parte relevante do caso está em Brasília, no Supremo Tribunal Federal, por
envolver parlamentares - entre eles a senadora Gleisi Hoffmann e o ex-líder do
PT José Guimarães.
Há documentos comprovando que a senadora, que
também foi ministra da Casa Civil de Dilma e está sob investigação da
Lava-Jato, aproveitou-se do dinheiro junto com seu marido. Os investigadores
descobriram que o dinheiro afanado no esquema servia para pagar o motorista
particular da senadora, o aluguel de um loft em Curitiba, além do salário de
funcionários e até multas eleitorais. Outro que está encrencado é o deputado
Marco Maia (PT-RS), ex-presidente da Câmara. Como VEJA revelou no ano passado,
o parlamentar foi contemplado pela quadrilha com um belo apartamento em Miami.
O imóvel, registrado até recentemente em nome de uma offshore aberta por
Chambinho, foi revendido no mês passado. O esquema dos empréstimos consignados
mostra que a Lava-Jato está criando filhotes pelo país afora, o que certamente
assusta os envolvidos em corrupção, mas serve de alento para a população que
torce por uma faxina geral.
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