Antes de Olimpíada começar,
pódios já estão cheios de micos pagos pelo Brasil para o mundo
Por Augusto
Nunes, 23/06/2016,
www.veja.com.br
Texto de José Nêumanne
O presidente em exercício Michel Temer não fez
questão nenhuma de esconder que o déficit de R$ 170 bilhões nas contas públicas
tinha embutido um mimo aos vendilhões dos Estados, quando lhes destinou um
terço do total. Como bem disse o governador do Espírito Santo, Paulo Hartung,
do mesmo partido dele, quem fez o dever de casa pagou a conta e quem esbanjou o
dinheiro do contribuinte, inchando folhas de pagamento e gastando a rodo,
recebeu o prêmio pela própria desfaçatez.
O que talvez nem ele esperava foi a esperteza de
Francisco Dornelles, seu colega vice em exercício do poder provisório,
decretando estado de calamidade pública justamente no Estado mais estróina e
mais ostensivo espertalhão da Federação: o Rio de Janeiro. Foi a deixa para um
dos anspeçadas do chefe federal, o ex-governador fluminense Wellington Moreira
Franco, genro do genro (o célebre almirante Alzirão, justa homenagem à
consorte, Alzira, filha favorita de Gegê Vargas), sapecar uma frase digna de
substituir o lema Ordem e Progresso na bandeira, agora emprestado ao governo
provisório por ideia providencial do marqueteiro do chefão, Elsinho Mouco. “O
Brasil não pode pagar esse mico”, disse Moreira. O gato angorá (apud
Brizola) não teme a esperteza engolir o dono quando demasiada, como alertava
Tancredo Neves, com quem o marinheiro Amaral Peixoto convivia muito no “raposário”
do PSD.
Pelo visto, ninguém avisou ao ex-marido de Celina
Vargas do Amaral Peixoto Moreira Franco que os pódios da Olimpíada do Rio, que
já foi Cidade Maravilhosa e agora virou o Paraíso do Pó (cocaína ou calcário),
ainda nem foram montados, mas já estão invadidos pelos malfeitos dos campeões
da má gestão nesta Pátria Incompetente.
Em agosto de 2015, o velejador sul-coreano Wonwoo
Cho, da classe RSX, passou mal num evento-teste na Baía da Guanabara e foi
levado ao hospital. Antes do réveillon de Copacabana, foi a vez do holandês,
campeão olímpico em Londres 2012, Dorian Rijsselberghe, vencer uma competição e
sair maldizendo os riscos das águas da baía cantada por Cole Porter na letra do
standard De-Lovely. Ele vaticinou: “Ninguém fez nada. Todos os alarmes
tocaram, mas nada mudou.”
Inaugurada em janeiro, a ciclovia Tim Maia, parte
do “legado olímpico”, não resistiu a uma ressaca no Vidigal e desabou em março.
Todas as evidências de negligência no planejamento e na realização da obra
desastrada foram negligenciadas pelo prefeito e seus subordinados. Foi dito até
que as ondas violentas, que desde o Gênesis sazonalmente se chocam contra as
pedras à margem da Av. Niemeyer, surpreenderam gestores e técnicos. Laudos
sérios e isentos deram conta de deficiências estruturais de sustentação da
pista. Mas entre as desculpas esfarrapadas dadas por figurões que desprezam a
inteligência e o senso comum dos cidadãos só faltou uma: a de que a ciclovia
foi feita para voar sobrevoar o mar, como aqueles teco-tecos que arrastam
publicidade sobre as praias da Zona Sul nos meses de verão.
Os recordes dos astros olímpicos ainda não
assombram o mundo, mas os reis da malandragem têm incorporado novos feitos à
crônica policial, além de cenas de violência explícita transmitidas nos
noticiários do planeta perplexo com a irresponsabilidade da escolha da sede
pelo Comitê Olímpico Internacional. Os últimos protagonistas foram a paratleta
australiana Liesl Tech e a fisioterapeuta Sarah Ross, assaltadas à mão
armada no Aterro do Flamengo domingo. Tiveram a sorte de sobreviver para
contar. E o Comitê Olímpico Australiano fez o que devia: exigiu segurança dos
organizadores brasileiros.
O vigilante Ronaldo Luiz Marriel da Silva não teve
a sorte delas. Naquele domingo foi ao hospital citado na propaganda da
Olimpíada como modelo de atendimento ao público, o Souza Aguiar, buscar socorro
e saiu num ataúde. Baleado na invasão do hospital por cerca de 15 bandidos
armados de fuzis e granadas para resgatar o traficante Nicolas Labre Pereira
Jesus, vulgo Fat Family, morreu imediatamente. Mais três ficaram feridos. Avisada
antecipadamente da ação dos delinqüentes, a autoridade (ir) responsável só agiu
a posteriori: o comandante da Polícia Militar, coronel Edson Duarte,
exonerou dois dias depois o tenente-coronel Wagner Gaurci Nunes, comandante do
5º BPM (Praça da Harmonia), responsável pelo policiamento da área onde fica o
hospital. Aí, o mundo ficou sabendo que a única providência que se toma no
território minado da sede da Olimpíada é instalar na porta arrombada um
ferrolho frouxo.
Assim como a Copa da FIFA em 2014, a Olimpíada do
Rio foi anunciada e programada como uma espécie de quarup para cultuar a
personalidade do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, disposto a mostrar ao
mundo que o Brasil elegeu um operário braçal presidente e que ele próprio
estava à altura de repetir Hitler, Mussolini, Stálin, Mao e Pol Pot. Deu no que
deu. Respondendo a inquéritos policiais por haver assistido inerme o assalto
também programado da organização criminosa à qual entregou chaves e segredos
dos cofres públicos, o ex-dirigente sindical não sobreviveu sequer à condição
de símbolo da riqueza ostensiva da nova classe dirigente brasileira, que saiu
da periferia pobre, freqüentou palácios e morre de medo de terminar na prisão.
Enquanto aguarda a polícia bater à sua porta, Lula vê evaporar até o
status de símbolo dos Jogos que consagram atletas pelo suor e governantes pelo
oportunismo. O lugar foi tomado por uma mártir de verdade: depois de
acorrentada para ser fotografada cercada de soldados do Exército fardados e com
metralhadoras em riste, a onça-pintada Juma, mascote do Centro de Instrução de
Guerra na Selva, Centro Coronel Jorge Teixeira, foi abatida por um tiro de
pistola para não ferir, machucar e talvez até matar um garboso soldado.
A fotografia, publicada na página 16 do Estadão
de hoje, é, ao mesmo tempo, pungente e lastimável: dois sujeitos fantasiados de
guerreiros da paz erguem uma tocha olímpica, objeto cênico usado para fingir
uma harmonia que o país deixou de viver há muito tempo. O animal à frente,
evidentemente irritado, serve de símbolo de uma nação espoliada por um bando de
canalhas que, além de roubá-la, ainda sai pelo mundo afora a ostentar o produto
de sua rapina. Com a cumplicidade tácita de um bando de exibicionistas que põem
a própria vaidade acima de tudo na vida, inclusive a vergonha alheia.
Por enquanto, a Olimpíada do Rio só serviu mesmo
para mostrar que os colonizadores de antanho tinham razão quando advertiam que
feras selvagens vagueiam pelas ruas de nossas favelas. Enquanto paspalhos
exibem seus tacapes com a borda superior em chamas.
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