Roberto Rigobon descreve como
'catastrófico' o desempenho da economia no governo Dilma e diz que o país tem
medo de assumir o papel de líder da América Latina
Por Luís
Lima, 05/06/2016,
www.veja.com.br
O Brasil não está em guerra civil, mas o estado atual de sua
economia é como o de um país conflagrado, de acordo com Roberto Rigobon,
professor de economia aplicada do Massachusetts Institute of Technology (MIT).
"Em uma guerra civil é assim: há muita inflação e a economia se
estanca", diz. "Na economia, o governo Dilma foi catastrófico."
Rigobon, que é venezuelano, define como
"patética" a política externa adotada pelo Brasil nos últimos anos. O
país avalia se, omite em momentos em que ele deveria assumir um papel que lhe
seria natural, o de líder da América Latina. "Parece que o Brasil tem medo
de se comprometer e tomar decisões e ações duras, que cabem a um líder",
afirma. Em vez disso, argumenta Rigobon, o Brasil gosta de se cercar "do
pior do mundo" - e ele põe na lista Argentina, Rússia e sua Venezuela
natal. "Só falta firmar um acordo de intercâmbio com a Coréia do
Norte", ironiza.
Confira trechos da
entrevista do professor ao site de VEJA.
O Brasil acaba de mudar seu governo. O senhor
acredita que isso pode favorecer a economia do país?
Depende de como essa mudança acontecerá em termos
concretos. Acredito que uma gestão que suceda um impeachment é diferente da
eleita pelo povo. Por enquanto, parece haver um otimismo exagerado. Em geral,
na história mundial, observamos uma quantidade pequena de presidentes
efetivamente culpados por corrupção. Antes de se tornar pública, quando se faz
uma investigação, como a da Petrobras, por exemplo, a polícia pode investir
todo o tempo na apuração do caso. Nesse contexto, é mais fácil chegar às provas
dos crimes cometidos. Depois de vir à tona na mídia, os desafios aumentam, e
isso se torna mais difícil. Já imaginou o que aconteceria se o Congresso
resolvesse que não há evidências claras de que Dilma esteja envolvida em crime
de responsabilidade? A lei prevê que ela volte ao poder, não é? Ainda que o
mercado atribua "chance zero", acredito que existe o risco de o
Congresso brasileiro não encontrar evidências suficientes para depor a presidente
ou obrigá-la a renunciar. O fato de ter havido uma votação para abrir o
processo não significa, necessariamente, que houve crimes. Isso complica o
cenário.
Como o senhor avalia o papel do Estado na economia
brasileira no governo Dilma?
Foi catastrófico. Tão ruim quanto ter uma guerra
civil, período em que os países não crescem e, ao mesmo tempo, têm inflação, em
um quadro típico de "estagflação". Esse quadro é piorado, em grande
parte, por medidas tomadas do lado da oferta, como a intervenção brutal do
Estado, expropriações, em um cenário em que o setor privado tem medo de
investir. Em uma guerra civil é assim: há muita inflação e a economia se
estanca.
Qual o peso da crise externa para esse cenário?
Nenhum. Esta inflação, por exemplo, tem raízes
totalmente internas. Foi, portanto, causada pela incompetência do governo
brasileiro. Em 2009, o mundo todo estava em crise, mas o Brasil não foi
afetado. Esta é uma evidência clara de que os problemas que começaram a
aparecer no país foram provocados pela acumulação de ineficiência e ideologia
do governo anterior.
Como o senhor avalia a premissa de que o Brasil só
pode negociar acordos comerciais junto com o MERCOSUL?
Quando o MERCOSUL foi criado, há mais de vinte
anos, ele trouxe muitos benefícios a Brasil, Argentina e Uruguai. Esses países
adotaram diversas medidas pró-mercado, fazendo com que suas empresas buscassem
atingir o mesmo nível, de uma maneira justa. Mas, como em todos os acordos, as
partes têm que evoluir. Depois de ter desenvolvido bastante sobretudo a indústria,
os países do bloco deveriam procurar outros parceiros, que fossem melhores que
eles. A única forma de melhorar é incluir no clube nações mais desenvolvidas
que as que já estão. Falo de Estados Unidos e países europeus. Isso forçaria o MERCOSUL
a seguir evoluindo.
Mas o bloco optou por tomar outro rumo, certo?
Sim. Há muito que melhorar em termos de política
externa. No caso do Brasil, a política externa foi patética nos últimos anos.
Parece que o país gosta de se cercar do pior do mundo - Venezuela, Argentina,
Rússia. Só falta afirmar um acordo de intercâmbio com a Coréia do Norte. O
Brasil é muito covarde para investir em acordos internacionais, considerando o
tamanho e a importância que tem.
Qual seria o passo natural para a evolução do
bloco?
Depois de incluir os países desenvolvidos, como
EUA, Inglaterra, Alemanha, Espanha, União Européia, o passo seguinte é: os
países que não estiverem de acordo com essa ideia, devem ficar com suas
ideologias - e deixar o grupo.
O Brasil, como grande potência do bloco, deveria
assumir uma liderança nesse processo?
Sim, mas o Brasil falhou nessa missão. Ele deveria
ser o líder da região, posto que é compartilhado por Chile e Colômbia. Quando
olham para a vanguarda da modernização, social política, econômica, da América
do Sul, as pessoas não vêem o Brasil. O país nunca quis, por razões que
desconheço assumir esse papel de líder. As empresas brasileiras não têm a
visibilidade e a liderança que deveriam ter, dado o tamanho e a importância do
Brasil. É muito triste. Parece que o Brasil tem medo de se comprometer e tomar
decisões e ações duras, que cabem a um líder. Mas nunca é tarde. É importante
que o Brasil seja líder da América Latina. Tem todas as condições. Só mencionam
o Brasil para fazer a seguinte comparação: o Brasil, geograficamente, equivale
a todos os outros países somados. Os países líderes da região deveriam ser
Argentina e Brasil.
E os BRICS (grupo formado por Brasil, Rússia,
Índia, China e África do Sul)?
Isso durou muito pouco. As razões, novamente, se
relacionam com a falta de decisão e vontade do Brasil de ser líder neste
espaço.
Como a comunidade externa percebe o momento das
crises política e econômica do Brasil?
Os desdobramentos dos escândalos de corrupção têm
um aspecto positivo, de mostrar que as instituições estão funcionando e estão
punindo corruptos. Nesse sentido, é muito positivo. Por outro lado, há ainda
muita incerteza sobre quem será o próximo presidente, o que preocupa. Mas, em
geral, o saldo é positivo.
O senhor é venezuelano e se mostra bastante crítico
dos caminhos tomados por seu país. Que saída econômica o senhor vê para a
Venezuela?
Acredito que a Venezuela vai enfrentar uma
hiperinflação ainda maior do que a atual. Se isso acontecer, a parte econômica
é mais fácil de resolver. Há que considerar que ela é muito ruim, pois produzem
muita pobreza e dor. O aspecto positivo é que ela elimina todas as distorções
do mercado, incluindo os preços de diversos contatos. Depois que isso
acontecer, terá de haver uma mudança radical de governo. A atual gestão é muito
ideológica, o que torna os desafios mais difíceis de ser superados. O governo
venezuelano tem a maturidade de uma criança de 3 anos, especialmente no quesito
teimosia. Por isso, em vez de se chamar "Maduro", deveria se chamar
"Imaduro" (risos).
O que um novo governo teria de fazer?
Se há uma hiperinflação, em novas eleições outro
governo deveria ser eleito - e um que considere, em suas políticas, todos os
venezuelanos. Um governo que reconheça que o chavistas são um grupo grande da
população, que, de alguma forma, devem ser considerados e respeitados. Algo que
se aprendeu com o governo Chavista - e que é uma lição para todos os países da
América Latina - é que os programas sociais têm de ser mais ambiciosos.
Em que sentido?
Há 50 anos, pensava-se que fazer algo pelos pobres
já era suficiente. Hoje em dia, está claro que não temos que fazer algo, mas
muito. O fenômeno de Chávez, na Venezuela, de Lula, no Brasil, dos Kirchner, na
Argentina, de Morales, na Bolívia, tem em comuns ideologias muito esquerdistas,
antiquadas, algumas da Idade Média. Elas são resultado de uma frustração muito
grande na sociedade, que reflete a falha dos sistemas democráticos na hora de
suprir os cidadãos mais pobres. Espero que os últimos 15 anos de desastre na
região sejam usados como aprendizado, para entender que o modelo de
desenvolvimento futuro tem de incluir programas sociais muito mais ambiciosos
que os do passado - que atendam os pobres e lhes dêem oportunidades. Os
próximos governos, tanto na Venezuela quanto no Brasil, não podem esquecer-se
dos erros cometidos no passado.
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