Por Augusto Nunes, 15/07/2015,
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VALENTINA DE
BOTAS
A indignação, num Brasil que apodrece quase sem
gemer embevecido com a deslumbrante vista de si mesmo para o Atlântico, deveria
ser instituído o quarto poder. Sim, 30 anos depois da redemocratização, este é
o momento mais grave, incerto na sensação difusa, ainda que viva e carnal, de
que o Brasil não adianta. Há 30 anos, Tancredo Neves vencia Paulo Maluf, o
candidato da ditadura, no Colégio Eleitoral, também porque o Brasil indignado,
ansiando por democracia, fora para as ruas no ano anterior buscar as
diretas-já. Questão de sobrevivência. Voltou sem elas, mas sobrevivera na semeadura
que cada brasileiro indignado lançara para o direito vindouro de cada um de nós
errar ou acertar por si mesmo. Sem tutores.
Como um país pode ser dono de seu destino, mas não
da história, esta se rebelou na morte precoce de Tancredo. O que foi, creio, na
história recente, o momento decisivo para frutificar a pior geração de homens
públicos: o desastroso governo Sarney, naquele pesadelo em forma de Plano
Cruzado e nos passeios do jeca maranhense de limusine por Nova York, aprofundou
o país na necessidade imaginária e deletéria de um salvador da pátria e, quando
em 1992, pudemos decidir nosso destino, ele se apresentou na opção deformada de
separar o joio do joio: votar no jeca ou em Collor.
Como o Brasil já naturalizou espantos que deixariam
zonza qualquer nação sóbria, passamos do funeral repentino de um presidente
querido para o impeachment de outro repudiado sem nenhum solavanco nas
instituições. Ao contrário, substituir Tancredo e depor Collor legalmente foram
testes pelos quais o ordeiro povo carnavalesco sagrou o estado de direito
democrático. Amadurecemos e estamos prontos para mais um teste.
Hoje, vemos o futuro escapando, o país retrocedendo
e a corja gozando a vida com o cofrão
público, mais conhecido como o meu, o seu, o nosso lombo. Para sobreviver, eu,
uma golpista que cumpre as leis; uma elitista que trabalha 12 horas por dia;
uma coxinha que marchou contra a ditadura militar e pelas diretas-já, sairá à
rua novamente neste 16 de agosto e lançará o grito: golpista é uma presidente
que, depois de fazer o diabo para se reeleger, faz o diabo para se manter no
cargo que conspurca.
Um mover asqueroso de céus e terras não para impor
contra forças resistentes o saneamento de pelo menos parte dos dramas do país.
Não, as estocadas intoleráveis do lulopetismo para dilatar a moral lassa que a
sustenta são apenas para continuar se sustentando. Segue com desassombro
amparado no fundamentalismo-institucional-do-bem-banalizado segundo o qual
suspeita e impopularidade não embasam um pedido de impeachment, como se o
Brasil não tivesse contra si uma presidente sem autoridade moral e política
decidida a guiá-lo para a ruína cobrando caro para isso – base concreta para um
pedido de impeachment ou de renúncia. Não sei se a adesão de Dilma ao poder e
ao que pensa de si a permitirá renunciar. Não sei se ela, a súcia e os
conformistas institucionais esperam nos convencer de que “não adianta nada”. O
que sei é que isso não filtra minha indignação e a consciência de que, como há
31 anos e como tem sido para sempre ser, a história e a resistência não
terminam hoje nem em nós: somos parte delas e elas sobrevivem em nós.
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