O governo do PT condenou as
ideias de competência e de produtividade na administração como preconceitos
neoliberais. A boa política seria empregar companheiros e aliados e tudo
sujeitar a um projeto de poder
Por Augusto
Nunes, 12/06/2016,
www.veja.com.br
Texto de Rolf Kuntz publicado
no Estadão
Excelência, em Brasília, é principalmente uma
palavra usada por deputados e senadores antes de xingar outro congressista.
Pode-se empregá-la com muita elegância em frases do tipo “vossa excelência é
uma cavalgadura”. Poucos devem lembrar-se, mas esse termo serviu, em outros
tempos, para indicar qualidades positivas encontradas – podem acreditar – até
no setor público. Vale à pena lembrar esse velho emprego da palavra, quando se
discute a profissionalização das chefias de estatais. Muito antes de ser
envolvido no mensalão, o Banco do Brasil foi apontado, mais de uma vez, como
centro de excelência. De seus quadros saíram funcionários para o recém-criado
Banco Central, nos anos 60, e para muitos postos importantes do governo. Quem
desconhece esses fatos pode ter dificuldade para acreditar nessa história.
Afinal, tudo parece negá-la. Saqueada durante mais de dez anos, a Petrobras
tornou-se uma empresa superendividada, incapaz de manter seu programa de
investimentos e forçada a vender uma porção de ativos para fazer caixa.
A Eletrobrás, segunda maior estatal brasileira,
continua devendo ao mercado de capitais de Nova York a publicação do balanço de
2014. Os Correios, acumulando prejuízos desde 2013, poderão precisar de
financiamento no segundo semestre para pagar salários e outras despesas
operacionais. O prejuízo de 2015, como informou o Estadão na
quinta-feira, pode ter chegado a R$ 2,12 bilhões. Faltava, ainda, a publicação
do balanço do ano passado, embora já se tenha chegado à metade de 2016.
Bancos federais foram convertidos, contra a Lei de
Responsabilidade Fiscal, em financiadores do Tesouro, por meio das famosas
pedaladas. Foram levados, além disso, a servir a interesses partidários e
eleitorais. Em alguns casos, assumiram riscos excessivos e tiveram de aumentar
consideravelmente suas provisões para devedores duvidosos, ou muito duvidosos,
como a Sete Brasil, criada para fornecer sondas à Petrobras e forçada a pedir
recuperação judicial. Foram levados a apoiar grupos escolhidos pelo poder para
tornar-se campeões nacionais.
Políticas desse tipo, sem nenhum sentido
estratégico, renegaram os melhores padrões de políticas de desenvolvimento
inauguradas ainda na época da 2.ª Guerra Mundial. Na avaliação mais benigna,
resultaram em enorme desperdício de recursos, desviados de aplicações muito
mais úteis à modernização da economia brasileira e à elevação geral da
competitividade. Para alimentar esse mau uso de dinheiro público, o Tesouro
ainda bombeou para o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES)
cerca de R$ 500 bilhões. Para isso, emitiu títulos e endividou-se, tornando
cada vez mais complicada a situação das contas públicas.
Até os fundos de pensão das estatais foram
envolvidos no jogo das decisões de interesse político-partidário. Para atender
a objetivos muito estranhos à sua função, comprometeram bilhões em maus
investimentos, como títulos de valor duvidoso emitidos por países vizinhos e
ações de empresas perigosas, como – novamente – a Sete Brasil.
O mais vistoso dos desastres, o da Petrobras, foi
amplamente mostrado tanto pelas investigações da Operação Lava Jato quanto por
análises de especialistas e até de funcionários da empresa. O enorme esquema de
corrupção apontado pela Polícia Federal e pela Promotoria mostra apenas uma
parte da história. Ao lado desse esquema, e com ele entrelaçado, houve uma
lista de investimentos mal programados, mal executados e subordinados a
objetivos partidários e a critérios ideológicos.
O exemplo mais notório é o da Refinaria Abreu e
Lima, em Pernambuco. Esse empreendimento nasceu de um plano de cooperação
(jamais concretizado) entre a Petrobras e a PDVSA, ainda no tempo do presidente
Hugo Chávez. Nunca entrou dinheiro venezuelano e, além disso, o projeto foi mal
feito, os custos foram escandalosamente subestimados e a obra continua
incompleta.
O desastre foi produzido, em todos esses casos,
pela subordinação dos objetivos de empresas, bancos e fundos de pensão aos
planos de poder do grupo governante, os seus objetivos eleitorais e à
voracidade de seus aliados. Aparelhamento e loteamento foram muito mais que
processos de corrupção. Foram formas de apropriação do sistema estatal, em
todas as suas dimensões, para usufruto dos governantes e remuneração de seus
asseclas.
A administração pública brasileira é conhecida
muito mais por seus defeitos do que por suas virtudes. Isso é compreensível e
justificável. Ao iniciar seu governo, o presidente Juscelino Kubitschek criou
uma administração paralela, formada pelos famosos grupos executivos, para
implantar o Plano de Metas. A alternativa, como lembrou o professor Celso Lafer
num belo trabalho, seria gastar muito tempo, talvez todo o mandato, num esforço
de reforma administrativa.
Apesar de tudo, sempre houve núcleos de competência
na administração. Centro de excelência, assim como o Banco do Brasil, foi
também a velha CFP, a Comissão de Financiamento da Produção. Essa empresa foi
fundida em 1990 com a Cobal e a Cibrazem para a formação da Conab, a Companhia
Nacional de Abastecimento, vinculada ao Ministério da Agricultura. Integrou o
mesmo clube o velho Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico (seu nome
original), onde conviveram, durante décadas, profissionais conhecidos pela
diversidade ideológica e pela capacidade. A Embrapa é outro exemplo,
especialmente notável por ter sobrevivido à ingerência petista.
O governo do PT, desde o mandato inicial do
presidente Lula, condenou as ideias de competência e de produtividade na
administração como preconceitos neoliberais. A boa política seria empregar
companheiros e aliados e tudo sujeitar a um projeto de poder. Crise fiscal,
estatais em crise e Operação Lava Jato são alguns dos desdobramentos.
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