Por Augusto Nunes, 11/12/2015,
Graças à prisão de quatro executivos de empresas que andaram pescando
quilos de dinheiro às margens do São Francisco, a milagrosa transposição das
águas acaba de transferir-se do cartório onde jaz o Brasil Maravilha para o
noticiário político-policial. Agonizante desde os trabalhos de parto, o que
deveria ser a obra do século é hoje o mais recente esqueleto do acervo
acumulado pelo escândalo do milênio. A extravagância fluvial nem precisou ser
inaugurada para transformar-se num portentoso símbolo da Era da Mediocridade. E
numa prova de que, num momento infeliz da nossa história, o povo brasileiro
desempenhou aplicadamente o papel de otário.
Em 2004, estacionado no Ceará, o palanque ambulante jurou que até
2006 seria materializado um dos grandes sonhos de Dom Pedro II (ou “Predo”, na
pronúncia do Pedro III de botequim). “Muitas vezes a coisa pública foi tratada
no Brasil como se fosse uma coisa de amigos, um clube de amigos, e não uma coisa
pública de verdade”, ensinou Lula durante a discurseira ufanista. Como o gênio
da raça descobrira que a coisa pública deve ser tratada como coisa pública
sobrava às verbas que sempre faltaram. “Dinheiro não vai faltar”, gabou-se o
maior dos governantes desde Tomé de Souza.
Na campanha presidencial de 2006, o aspirante a um segundo mandato não
pronunciou uma única e escassa palavra sobre a multiplicação das águas que
continuavam onde sempre estiveram. A vitória nas urnas refrescou-lhe a memória.
Sem apresentar justificativas para os dois anos de atraso, avisou que ainda
faltavam quatro para que o sertão virasse mar. “Em 2010, um nordestino pobre
vai fazer o que nem um imperador conseguiu”, recomeçou a lengalenga. O vídeo
abaixo mostra os capítulos seguintes da farsa.
Em 2010, o padrinho avisou que a transposição seria inaugurada pela
afilhada dali a dois anos. Em 2012, Dilma prometeu concluir em dezembro “a
primeira fase” da proeza invisível a olho nu. O resto teria de esperar até
2014. Convidado a explicar-se durante a campanha pela reeleição, o poste
fabricado por Lula descobriu que a coisa era complicada demais para ser feita
tão em pouco tempo. “Houve uma subestimação da obra”, escapuliu a doutora em
nada que subestima obras e a inteligência da platéia.
Em 2015, Lula ressuscitou a tapeação ao som da lira do delírio. De novo,
repetiu que os brasileiros ficarão grávidos de orgulho patriótico quando
puderem contemplar o colosso “que nem Dom Pedro II conseguiu realizar”. A nova
etapa da Operação Lava Jato, apropriadamente batizada de Operação Vidas Seca,
já apurou ladroagens que somam pelo menos R$ 200 milhões, embolsados por
banqueiros amigos e empreiteiros de estimação do chefe supremo. Ainda é cedo
para calcular com precisão o produto do roubo.
Também não tem preço
o assombro parido por Lula às margens do São Francisco. O fundador do império
do embuste inventou uma espécie de obra que enriquece meio mundo antes de virar
ruína sem ter existido.
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