Os funcionários públicos,
indemissíveis, ganham muito mais pelo que não entregam do que seus equivalentes
na iniciativa privada
Por Augusto
Nunes, 16/09/2016,
www.veja.com.br
A desconexão entre realidade e “narrativa” continua
sendo o elemento mais angustiante da crise brasileira. Perde-se um tempo que já
não há.
O déficit público bate recordes a cada medição. O
custo dos privilégios do funcionalismo continua crescendo, e não só em função
da “automatização” de carreiras sem desempenho e “correções” de salários e
pensões pela inflação. A festa dos aumentos reais continua em pleno velório.
Em julho a diferença entre o que entrou e o que
saiu do caixa saltou 20% acima de junho (de R$ 10,02 bi para R$ 12,81 bi),
sinalizando que o favelão continental em que se vai transformando o Brasil
continuará se expandindo. Adiciona-se à marcha à ré dos negócios a arrecadação
cessante. Estamos apenas iniciando a segunda volta no círculo e quem ainda não
fechou vai de mal a pior. Pesquisa do Ibmec mostra que pelo menos metade das
empresas privadas não está gerando caixa suficiente para pagar suas obrigações
financeiras…
Outra pesquisa da Escola de Economia da GV
constata, agora com prova científica, o que todo mundo vê a olho nu. Os
funcionários públicos, indemissíveis, ganham muito mais pelo que não entregam
do que seus equivalentes na iniciativa privada fazendo das tripas coração para
entregar o suor, as lágrimas e o sangue que já não bastam para livrá-los do
desemprego.
Isso é verdade no Brasil inteiro e é três vezes
mais verdade em Brasília, onde os empregados do Estado ganham “em média” 200%
mais que seus equivalentes no mundo real, número que, diga-se de passagem, está
negativamente distorcido pelo fato de a pesquisa ter considerado apenas os
empregados do setor privado com carteira assinada entre 18 e 74 anos. Se
considerasse o Brasil real, onde criança e aposentado, cada vez mais, têm de
trabalhar e carteira assinada ainda é privilégio, chegaria mais próximo dos
números escandalosos que as contas da Previdência refletem. As aposentadorias e
pensões do setor público, com 30 vezes menos beneficiados, comem mais de 30
vezes mais recursos que as do setor privado.
30 vezes 30! O Brasil de hoje é um clássico das
piores crônicas medievais: está muito, mas muito mais pobre mesmo do que merece
porque a casta que se apropriou do “reino” e o escorcha com impostos está
muito, mas muito mais rica mesmo do que faz por merecer. E vai ficar ainda
mais, posto que essa “nobreza” que vive acima da regra dos “plebeus” vende a
ideia, que a imprensa compra sem contestar, de que será possível arrumar as
coisas espremendo mais um pouco os explorados para manter intactos os
privilégios dos exploradores.
O “ajuste” da Petrobrás após o estupro coletivo
sofrido é um exemplo emblemático. Sob aplauso geral, ela acaba de transferir ¼
de sua gigantesca folha de assalariados, com todos os benefícios necessários
para os folgares da vida nas vizinhanças da nova residência da “Honesta Dilma”
na Ipanema a que estão acostumados, da conta dos seus acionistas, que também
habitam a rua da praia, para a dos brasileiros dos morros que, sob a “Lei do
Cão” e no meio do tiroteio, sustentam o rombo de R$ 93 bi por ano que custam,
por enquanto, só os aposentados e pensionistas da União. Vai na mesma direção o
novo “teto de gastos do setor público”. Como “a Justiça” garante que todos os
privilégios dessa casta se tornam “imexíveis” uma vez enfiados no saco, segue,
por decorrência, que só a magérrima fatia do orçamento público ainda de
propriedade do povo – a dos investimentos em infraestrutura, saúde e educação –
são compressíveis. E aí esta tem de ser comprimida, espremida e recomprimida para
compensar o “nem um passo atrás” no território ocupado pelos “direitos
adquiridos” do funcionalismo. A conta está sendo atirada inteira para os 30
vezes mais pobres e nem uma única voz se levanta para denunciar o
“passa-moleque” senão a da turma da “narrativa do golpe”, que, todos muito
agarradinhos “ao seu”, o faz pela metade, para confundir, para enganar e para
agravar a conta.
Se concedesse pagar apenas a parcela dela que
exceder os privilégios e abusos mais ostensivos, o País já estaria sendo condescendente
o bastante. “Consolidar” os salários públicos na soma final dos “auxílios”,
“adicionais”, “gratificações”, “abonos” e outros penduricalhos hoje
incorporados às aposentadorias, mas isentos do Imposto de Renda, o que piora o
déficit; acabar com as obscenas frotas de jatos e carros de luxo com seus
pilotos, motoristas e pessoal de manutenção e backup; fazer com que arquem com
suas residências e mordomias como todo mundo; anular os aumentos de salário auto-atribuídos
por atos de “autonomia administrativa” em flagrante “desvio de finalidade” são
maneiras de começar a reduzir o acinte de exigir mais carne magra de cima de
uma montanha de gordura. Acabar com a esbórnia das bolsas redundantes, dos
“auxílios-doença” há anos sem fiscalização, dos 45 mil “pescadores” indenizados
por “defeso” em plena Brasília são outras medidas comezinhas que custam bilhões
e valem mais do que pesam. O desmonte das 140 estatais que só servem para o
mesmo que a Petrobrás serviu; o corte das vastíssimas “assessorias” dos três
Poderes pelo menos tanto quanto os brasileiros estão cortando suas compras de
supermercado; com novos ares no STF, acenos de castigo para o crime e discursos
de austeridade auspiciosos no ar, estas são algumas das providências imediatas
cuja obrigatoriedade clama aos céus.
Menos que isso será sacrifício inútil. O Brasil
violou todos os limites da matemática e não haverá acerto fora da matemática.
As reformas para nos colocar na mesma distância do feudalismo que o Primeiro Mundo
alcançou no fim do século 19 podem esperar por um governo eleito. Mas o povo
que está começando a expulsar os ladrões pode bem começar ao menos a atacar
também os parasitas e os chupins, porque livrar-se deles é uma longa batalha
que depende essencialmente de expô-los persistentemente à luz do sol e já
deveria ter começado há muito tempo.
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