Funcionário que diz ter tido a
ideia do fatiamento fala besteiras assombrosas e, na ânsia de proteger
presidente do Supremo do ridículo, transforma-o num pateta ignorante
Por Reinaldo
Azevedo, 02/09/2016,
www.veja.com.br
Parem as máquinas. Ou, sei lá, os
bytes! Há um novo jurista de mão cheia na praça. Seu nome: Luiz Fernando
Bandeira. Ele é secretário-geral da Mesa do Senado. Está estreando, entendo, na
profissão de “laranja” de chicana. Ele concede uma entrevista a Leandro Colón,
da Folha, e diz que a ideia de fatiar a votação do impeachment foi sua. Ulalá!
Que rapaz imaginoso! Renan Calheiros, então, não havia pensado no assunto.
Ricardo Lewandowski não havia pensado no assunto. José Eduardo Cardozo não
havia pensado no assunto. E quem teve a iluminação? Ah, o tal Bandeira.
O rapaz é corajoso. Fala bobagem, a
gente nota, com altivez, com destreza, com determinação.
O cara tem 37 anos. Está no Senado desde
2004 e já foi advogado-geral da Casa. Não inova só na interpretação do direito.
Ele também se mostra um gramático singular. Prestem atenção à pergunta e à
resposta:
Folha – Vocês não rasgaram a
Constituição ao fatiar a votação do impeachment?
Bandeira – Pelo contrário. A
Constituição diz expressamente que a pena pelo crime de responsabilidade fica
limitada a perda do cargo com inabilitação para cargos públicos por oito anos.
Essa inabilitação é a pena máxima. Entendo que entre a absolvição e a pena
máxima pode existir uma dosimetria.
É espantoso! Vou reproduzir abaixo a
íntegra do Parágrafo Único do Artigo 52:
“Nos casos previstos nos incisos I e II,
funcionará como Presidente o do Supremo Tribunal Federal, limitando-se a
condenação, que somente será proferida por dois terços dos votos do Senado
Federal, à perda do cargo, com inabilitação, por oito anos, para o exercício
de função pública, sem prejuízo das demais sanções judiciais cabíveis.”
Onde está ao menos sugerido que a
inabilitação é a pena máxima? Em que palavra ou grupo delas? Mais: o que ele
entende por “dosimetria”? Ou tudo ou nada? Ou oito anos de inabilitação ou ano
nenhum?
Esse cara não tem vergonha de se
prestar a esse papel? Está tentando lavar a honra de quem? De Renan? De
Lewandowski? Que benefício moral ao menos terá com isso?
Mas calma! Em seu desassombro sem
limites, ele é capaz de muito mais.
Afirma: “O regimento diz que qualquer proposição
pode ser objeto de um destaque. O que é um destaque? É recortar um texto da
proposição e votar separadamente. A bancada do PT apresentou um requerimento de
destaque, que é um direito dela. É previsto no regimento, é automático. Entendo
que não cabia ao presidente Lewandowski rejeitar o requerimento. Uma vez
apresentado, deve ser submetido. O quesito do impeachment pode ser considerado
proposição? Entendo que sim, porque proposição é toda matéria submetida à
deliberação do plenário.”
Como é? Alto lá, rapaz! Trata-se de um
dispositivo constitucional! Desde quando a Constituição da República Federativa
do Brasil pode ser objeto de destaque?
É constrangedor ter de suportar tipos
assim, capazes de dizer qualquer coisa, sabe-se lá com qual interesse.
Não acabou! Agora ele vai completar a
sua obra com uma cereja — e me parece visível que seu objetivo é mais livrar a
cara de Lewandowski do que de Renan; afinal, este não liga muito para o que
pensam a seu respeito. Prestem atenção ao que diz o gajo:
“Na abertura da sessão desta quarta,
apareceu o requerimento do senador Humberto Costa (PT-PE) apresentando o destaque.
Neste momento o ministro Lewandowski virou para mim e disse: ‘Eu posso aceitar
isso?’. Eu mostrei para ele o parecer (da consultoria legislativa), ele leu o
regimento interno, as disposições aplicáveis e entendeu que era o caso de
admitir. Acho muito importante salientar que a própria lei do impeachment, na
sua redação original, lá em 1950, previa primeiro votar a perda do cargo e,
depois, a inabilitação.”
De fato, a Lei 1.079 prevê a votação
fatiada. Ocorre que alguém deveria lembrar ao doutor que existe uma hierarquia
de códigos. E, no topo, está a Constituição. Quanto ao Regimento Interno, isso
nem merece consideração. O texto não serve para “destacar” trechos da
Constituição.
De resto, o Lewandowski que sai de sua
entrevista é um pateta, não? Ainda que ele esteja querendo proteger o ministro.
Preside o julgamento que decide a deposição de um presidente da República, mas
precisa que um assessor do Senado lhe diga como hierarquizar Constituição, lei
e regimento?
Vá pra pra casa, Lewandowski! Para a
sua, não para a da Justiça, que é nossa!
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