Ex-presidente e seus advogados
decidiram simplesmente denunciar o sistema judicial brasileiro, como se aqui
vigorasse a mais grossa ditadura
Por victoriraja,
23/09/2016, www.veja.com.br
Editorial do Estadão
O ex-presidente Lula se considera um perseguido
político. Essa será sua linha de argumentação no processo em que é acusado de
auferir vantagens do esquema do petrolão, flagrado pela Lava Jato. Isso
significa que, agora transformado em réu pelo juiz federal Sergio Moro, Lula
exercerá seu direito de defesa além da mera formalidade, uma vez que atende às
exigências do devido processo legal e ao mesmo tempo nega sua validade, pois
considera o processo ilegítimo e vê o tribunal e os promotores como integrantes
de um complô para impedir sua volta à Presidência da República.
Assim, Lula e seus advogados decidiram simplesmente
denunciar o sistema judicial brasileiro, como se aqui vigorasse a mais grossa
ditadura. Para Lula, o processo nem deveria existir, dado que sua inocência é
clara como a luz do dia e só é questionada por quem tem má-fé. Por esse
raciocínio, a Justiça só provará sua isenção se absolver Lula e se lhe pedir
desculpas, algo que o ex-presidente, aliás, já cobrou.
Tal estratégia mal esconde a aflição de Lula com o
risco de vir a ser preso. A denúncia que Moro aceitou já é a segunda relativa
ao petrolão – a primeira, que corre na Justiça Federal de Brasília, o acusa de
obstrução de Justiça. No caso que está na 13.ª Vara Federal de Curitiba, Lula é
acusado de corrupção passiva e lavagem de dinheiro no esquema de assalto à
Petrobrás, do qual, segundo o Ministério Público Federal, o ex-presidente é o
“comandante supremo”.
A acusação afirma que Lula recebeu R$ 3,7 milhões
em propina da empreiteira OAS entre 2006 e 2012. Moro considerou haver
“indícios razoáveis” de que um triplex no Guarujá foi dado pela OAS a Lula,
embora a empresa tenha se mantido como proprietária formal. A empreiteira
realizou melhorias no apartamento sob orientação da mulher de Lula, Marisa
Letícia, razão pela qual a ex-primeira-dama também foi denunciada. Ademais, a
empreiteira custeou o armazenamento do acervo; que o ex-presidente alega ser
seu acomodado em 14 contêineres. O presidente do Instituto Lula, Paulo Okamotto
– outro denunciado –, reconheceu esse pagamento, mas insistiu que não se trata
de crime. Okamotto não disse qual foi à contrapartida para tanta generosidade.
A acusação de que Lula chefiou o petrolão não
consta do processo, embora tenha sido enfatizada pelos procuradores na
apresentação da denúncia. Moro entendeu que essa omissão se justifica porque a
acusação de associação criminosa consta de processo que, por envolver agentes
com foro privilegiado, corre no Supremo Tribunal Federal. Mesmo assim, o juiz
considerou que a acusação dos promotores sobre o papel proeminente de Lula no
esquema é relevante, uma vez que as vantagens materiais dadas pela OAS ao
ex-presidente só se justificariam no contexto do petrolão.
Moro também deixou claro que este ainda não é o
momento de fazer um exame das provas, mas apenas de analisar se a denúncia tem
justa causa. Isso significa que a aceitação da denúncia não representa qualquer
julgamento sobre a culpa do réu, que “poderá exercer livremente sua defesa”.
Mas o direito à ampla defesa não parece interessar
a Lula. Confrontado com tão evidentes sinais de que não é a “viva alma mais
honesta deste país”, como certa vez se jactou, o ex-presidente parece intuir
que será irremediavelmente condenado caso se submeta apenas ao devido processo
legal. Assim, Lula desencadeou uma campanha mundial para caracterizar o
processo como político.
No Brasil, Lula mandou que os candidatos petistas
nas eleições municipais, que já enfrentam enormes dificuldades para superar a
hostilidade do eleitor, usem a campanha para defendê-lo. Assim, o chefão
petista atrela o seu destino e o do partido no que pode ser o abraço dos
afogados. No exterior, a tigrada deflagrou uma campanha constrangedora
intitulada “Stand with Lula” (“Estamos com Lula”), que pede apoio internacional
ao ex-presidente, caracterizado como “pai do Brasil moderno”.
Como sempre, Lula refugia-se em mentiras e
fabulações, ofendendo a inteligência alheia e a própria democracia, para não
ter de responder por seus atos. Felizmente, porém, sua margem de manobra parece
se estreitar cada vez mais.
Coluna do Augusto Nunes
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