A “gerentona”, a “faxineira” e,
agora, a “vítima”. O marketing oficial tentou criar várias personagens para a
presidente, mas nenhuma resistiu aos fatos
Da Redação,
13/05/2016,
www.veja.com.br
A FAXINEIRA - Dilma viu sua popularidade crescer quando demitiu do governo ministros
corruptos. Depois, chamou-os de volta
Eufórico, o então presidente Luiz Inácio Lula da
Silva desfiava seu rosário de palavrões prediletos para comemorar o sucesso de
um leilão de concessão de rodovias, que, segundo a oposição, seria um fracasso.
Era 2007, o primeiro ano de seu segundo mandato. O Programa de Aceleração do
Crescimento (PAC), sua principal bandeira de marketing, já estava nas ruas. E o
encantamento com a ministra-chefe da Casa Civil, Dilma Rousseff, celebrada como
a responsável pelo resultado do leilão, só aumentava. Aos olhos do presidente,
Dilma enquadrava a burocracia, tirava projetos do papel, destravava
investimentos, fazia o governo acontecer. Era a novidade. A melhor novidade.
Por isso, anos mais tarde, com nomes históricos do PT abatidos pelo mensalão,
Dilma, “a mãe do PAC”, “a mulher do Lula”, “a gerentona”, foi escolhida para
ser a candidata à Presidência. O plano era ambicioso: em mandatos sucessivos,
Lula e Dilma garantiriam ao partido pelo menos vinte anos no poder,
curiosamente o mesmo número cabalístico que os tucanos pretendiam ficar no
governo depois que Fernando Henrique Cardoso foi reeleito. O foco de Dilma, uma
vez eleita, seria melhorar a infraestrutura do país, sem inventar moda na
política ou na economia. Uma meta simples. Nada podia dar errado. Mas, como se
sabe, tudo deu errado.
Eleita com 55,8 milhões de votos em 2010, Dilma
estreou como presidente promovendo à defunta “faxina ética”. Em apenas um ano,
demitiu seis ministros suspeitos de tráfico de influência, corrupção e desvio
de verbas públicas. A comparação com Lula, defensor obstinado de companheiros
encrencados, era inevitável e lhe rendia dividendos. Setores tradicionalmente
refratários ao PT estendiam o tapete vermelho para ela. Lula acompanhava esses
movimentos com um pingo de desconfiança. A petistas ressabiados, dizia que
Dilma, ao usá-lo como escada, engambelava setores conservadores da sociedade,
conquistava a simpatia da mídia e se fortalecia. Além de competente, seria
esperta. Em 2012, surgiram os primeiros ruídos entre os dois. Agindo de modo
republicano, Dilma desprezou a ideia de Lula de usar uma CPI do Congresso para
intimidar a imprensa e o Ministério Público. O contraponto com o antecessor, de
novo, era inevitável.
Em março de 2013, a presidente bateu recorde de
popularidade. E justamente aí começou sua derrocada. Mandona, centralizadora e
irritadiça, Dilma tornou-se imperial. Enviava projetos ao Congresso para
aprovação – sem direito a debate, afago ou cafezinho com os parlamentares. Na
economia, recorreu à batuta do intervencionismo e determinou a redução, na
marra, das taxas de juros e da conta de luz, e ainda tentou tabelar o lucro de
empresários, emperrando uma série de projetos. A inflação já dava seus
primeiros galopes. Apreensivo, Lula passou a mandar recados à sucessora.
Os porta-vozes do petista ecoavam as queixas do
empresariado contra a mão pesada da presidente e defendiam uma troca de comando
no Ministério da Fazenda. Dilma, cuja dificuldade para reconhecer os próprios
erros tem contornos patológicos, ignorava olimpicamente as advertências. Foi
assim até as históricas manifestações de rua de junho de 2013, que dinamitaram
sua popularidade. Do centro do ringue, Dilma foi jogada às cordas. Aproveitando
essa fragilidade, petistas e empresários, como Marcelo Odebrecht, preso pela
Operação Lava-Jato, lançaram um movimento para trocar Dilma por Lula como
candidato à Presidência em 2014. Alegavam que Dilma estava tirando a economia dos
trilhos. A presidente, tratada agora como incompetente e amadora, resistiu à
pressão, manteve-se no jogo e, cumprindo sua própria profecia, fez o diabo para
conquistar um novo mandato.
A GERENTONA – A administradora durona nunca percebeu que um gigantesco esquema de
corrupção se apoiava nas suas costas
De olho na reeleição, Dilma cometeu três pecados
capitais. Abandonou de vez a faxina ética, rendeu-se gostosamente ao toma lá da
cá e formou uma aliança eleitoral com os principais expoentes do fisiologismo
nacional. Demitidos em 2011, os ex-ministros Carlos Lupi (PDT) e Alfredo
Nascimento (PR) recuperaram as credenciais para mandar e desmandar em seus
feudos no governo. A presidente também gastou muito mais do que podia e
arruinou as finanças do país a fim de impulsionar programas carreadores de
voto, como o Bolsa Família. Antes e depois da reeleição, usou bancos públicos
para custear despesas do Tesouro Nacional. A prática, conhecida como pedalada
fiscal, embasou o pedido de impeachment.
Reeleita, Dilma enfrentou pela primeira vez uma
oposição implacável, que não lhe deu nenhuma chance de governar. Diante disso,
a presidente cometeu novos e graves erros. Adotou a política econômica do
adversário, selando um brutal estelionato eleitoral. Sob a batuta do marqueteiro
João Santana, também preso na Lava-Jato, Dilma prometera calmaria na economia,
quando, na verdade, semeara as bases para a maior recessão dos últimos trinta
anos.
Dilma foi reeleita com 54,5 milhões de votos em
2014. No segundo mandato, a faxineira ética deu lugar à balconista de negócios.
A gerentona, em vez das obras redentoras do PAC, entregou inflação na casa dos
dois dígitos e desemprego crescente, que castiga 11 milhões de brasileiros.
Entrou em cena a terceira versão de Dilma – a “vítima”. Desde o início da
Lava-Jato, Lula cobrava da sucessora empenho para deter o avanço das
investigações. A presidente, dando ouvidos ao ministro Aloizio Mercadante,
aliado fiel, preferiu achar que o petrolão abateria cabeças coroadas do PT e do
Congresso, mas não chegaria a ela. A estratégia de distanciamento durou até a
prisão de Marcelo Odebrecht, em junho passado.
A VÍTIMA – Afastada do cargo, agora em seu derradeiro papel, a presidente se diz
perseguida pelos adversários políticos
Dilma foi lembrada de que a Odebrecht pagara pelos
serviços do marqueteiro João Santana. Ou ela reagia ou seria tragada pelas
denúncias. Na surdina, a “vítima” passou a criar embaraços às investigações. Na
mais evidente, condicionou a indicação de um ministro do Superior Tribunal de
Justiça ao seu compromisso de libertar Marcelo Odebrecht, cujos segredos
poderiam implodir a República. Como se ficou sabendo na gravação de uma
conversa de Mercadante, o governo temia que delações premiadas viessem a
“desestabilizá-lo”. Dilma ainda nomeou Lula para o cargo de ministro, de modo a
salvá-lo da prisão. A isenção de Dilma se tornara uma muleta retórica.
Executivos das empreiteiras Andrade Gutierrez, UTC
e Engevix afirmaram que foram pressionados a fazer doações para a reeleição de
Dilma, sob pena de perderem seus contratos com a Petrobras. Dilma, até onde se
sabe, não embolsou propina nem recebeu favores pessoais de corruptores, mas se
beneficiou do esquema em termos eleitorais, tal como Michel Temer. Seu
afastamento do cargo foi precedido pela decisão da Procuradoria-Geral da
República de pedir autorização para investigá-la por obstrução da Justiça. Em
conversas reservadas, Lula continua a desfiar seu rosário de palavrões
prediletos – agora dirigidos também à presidente afastada, como se ele nada
tivesse a ver com as Dilmas que nunca existiram.
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