Roupas pretas, máscaras, estilingue, pedras,
gasolina, barras de ferro... Tudo isso a metros de uma grande manifestação.
Para o doutor, não há nada de errado nisso
Por Reinaldo
Azevedo, 07/09/2016,
www.veja.com.br
O Brasil e os paulistanos têm motivos
para ficar chateado com o juiz Rodrigo Tellini, do Fórum Criminal da Barra
Funda. Ele mandou soltar 18 pessoas que foram presas no dia 4 de setembro pela Polícia
portando alguns objetos, como posso dizer? Um tanto perigosos para quem estava
prestes a participar de um protesto que reuniria milhares de pessoas, em que o
propósito era de depredar patrimônios públicos e privados; compõe a, digamos,
ideologia de um grupo. Vejam abaixo descrição dos objetos encontrados com a
turma:
– roupa preta, que compõe o uniforme
dos black blocs;
– estilingues, habitualmente usados
para ferir policiais com pedras;
– as pedras;
– máscara contra gases;
– barra de ferro;
– gasolina (o que se vê ali é gasolina,
não vinagre);
– um canivete;
– óculos tipicamente usados pelos black
blocs.
Muito bem!
O juiz mandou soltar todo mundo, como
se sabe, e escreveu o seguinte:
“Com os manifestantes, todos de roupas
escuras, os policiais encontraram máscaras, lenços e gorros, quase todos
portavam mochilas, Gabriel levava consigo uma barra de ferro e Amanda um
extintor de incêndio de uso veicular, fora isso, segundo os policiais, foram
apreendidos vinagre, um disco de metal, material de primeiros socorros e outros
utensílios que descreveram como de interesse policial. Destaco que o delito de
associação criminosa, para a sua configuração, exige mais do que a mera reunião
de indivíduos, exige a estabilidade do grupo tido como criminoso para praticar
crimes de forma permanente. Evidentemente não é o caso dos autos.”
Entendi. Não se podendo demonstrar que
se trata de um grupo estável, então não se pode falar em associação criminosa. Mas
creio que se possa falar, não é, doutor? Em concurso de agentes. Mas, para
tanto, é preciso que se reconheça a ameaça. E o juiz não reconhece.
Notem bem: aquelas pessoas foram presas
portando aqueles utensílios, e o doutor escreve isto:
“Com efeito, os manifestantes, afinal,
poderiam simplesmente desistir de comparecer ao ato, a ele comparecer de modo
pacífico ou causar algum transtorno que seria individualmente sopesado. Não há
como saber, porque a polícia não permitiu a presença dos manifestantes antes de
o ato de manifestação se realizar.”
Vocês querem saber por que os black
blocs, que já desapareceram de protestos mundo afora, ainda resistem no Brasil?
Por causa de entendimentos como o desse juiz. Por isso MST e MTST pintam e
bordam por aqui. Saibam que esses grupos nem sequer têm existência formal —
logo, inexistem os vínculos associativos.
Mais: segundo o impressionante texto do
doutor, a polícia só poderia ter atuado se a turma, afinal, houvesse usado a
gasolina, o estilingue, a barra de ferro. De fato, não é proibido portar nenhum
desses utensílios. Mas será suposição exagerada supor que seriam empregados nos
protestos? A ser assim, vamos pôr fim àquilo que se faz no mundo inteiro:
policiamento preventivo. NOTA: como sabe a Polícia Militar, mais da metade dos
policiais feridos nesses conflitos são vítimas de pedradas.
O doutor seguiu adiante, no que me
parece peça de puro proselitismo:
“O Brasil como Estado Democrático de
Direito não pode legitimar a atuação policial de praticar verdadeira ‘prisão
para averiguação’ sob o pretexto de que estudantes reunidos poderiam,
eventualmente, praticar atos de violência e vandalismo em manifestação
ideológica.”
Aí já estamos nas franjas do absurdo
mesmo. A “prisão para averiguação” de tempos passados detinha “os suspeitos de
sempre” ou era feita com base em critérios meramente subjetivos. Vai ver o juiz
tem alguma hipótese plausível para que aquelas doces criaturas portassem
estilingues, pedras, gasolina e barra de ferro que não o propósito de praticar
atos de vandalismo numa manifestação em que a depredação do patrimônio público
e privado é parte da equação.
Reitero: atos dessa natureza não são
tolerados em nenhuma democracia do mundo. Por aqui, os processos dos que são
presos em flagrante dormitam nas gavetas da Justiça, e a polícia é moralmente
massacrada quando faz o trabalho de prevenção.
Ah, sim: há até um livro sobre
socialismo no material apreendido. Indica a ideologia da turma, mas não
representa perigo para a sociedade, claro! Só para o cérebro de quem lê e
acredita naquela droga.
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