Articulação de
bastidores para votar "salvo conduto" a quem praticou caixa 2 foi
barrada por deputados do PSOL e da Rede
Osul,
20/09/2016,
www.osul.com.br
A articulação de bastidores para tentar anistiar os
políticos envolvidos na Lava Jato teve a participação de líderes e integrantes
dos principais partidos da Câmara dos Deputados, mas acabou barrada
principalmente pela resistência da Rede e do PSOL.
As duas siglas de esquerda têm apenas 10 deputados,
menos de 2% da Câmara, peso que simboliza a sui generis sessão realizada na
noite desta segunda-feira (19).
Apesar de gestar sigilosamente e tentar votar de
surpresa um projeto que dava um “salvo conduto” a políticos na mira da Lava
Jato – cujo texto não foi tornado público –, os principais partidos não foram
aos microfones do plenário defender a medida.
“O projeto foi colocado em votação a pedido dos
líderes partidários. Não sou eu quem faz a pauta de votações, eu sou o
primeiro-secretário, estava substituindo o Rodrigo Maia [DEM-RJ], que estava
interinamente na presidência da República. Quando percebi que aquilo que os
líderes queriam não era o que a base dos deputados queria, retirei de votação”,
afirmou à reportagem o deputado Beto Mansur (PRB-SP), que presidiu a
sessão da noite desta segunda.
Questionado de forma insistente pelo PSOL e pela
Rede, ele não quis dizer durante a sessão quem eram os defensores da anistia,
afirmando apenas que a votação obedecia ao regimento da Casa.
“O projeto foi defendido por vários líderes, do PT,
do PSDB, de partidos do ‘centrão’, vários. Não posso nominar um a um porque eu
seria leviano, mas todos os líderes sabiam do projeto”, acrescentou Mansur.
O deputado do PRB diz ainda que não sabia o que era
o projeto, não teve acesso ao texto e que, ao ver que os líderes partidários
não se manifestavam na sessão e não rebatiam as falas do PSOL e da Rede,
resolveu desistir da votação.
“Olhei pro plenário, não vi os líderes que
defendiam o projeto então falei: ‘Vou tirar essa merda de pauta porque não vou
ser eu a me desgastar com uma coisa que eu não tenho nada a ver’.”
NEGOCIAÇÕES
A articulação para a gestação e votação do projeto
contou com a participação do PSDB, PP, PMDB, PR e PT, entre outras legendas. O
presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), que nesta segunda estava no
Palácio do Planalto como presidente da República interino, também participou
das conversas e deu aval para a tentativa de “votação surpresa”.
Na semana passada, ele havia anunciado que a Câmara
votaria nesta segunda apenas um projeto da área econômica, de interesse dos
Estados.
À reportagem, Maia negou aval para anistia a alvos
da Lava Jato, afirmando apenas que orientou os líderes partidários a votar o
texto defendido pelo Ministério Público Federal no pacote legislativo
intitulado “10 Medidas contra a Corrupção”. Esse pacote está em análise ainda
em uma comissão especial da Câmara.
Em linhas gerais, a ideia de boa parte da “elite”
da Câmara era aproveitar a proximidade das eleições municipais, quando o foco
do noticiário se distancia do Congresso, para ressuscitar um projeto eleitoral
estacionado desde 2007 e emendá-lo de última hora, nesta segunda, com a
proposta de uma punição específica e direta para o crime de caixa dois
eleitoral, que é o uso de dinheiro nas campanhas sem declaração à Justiça.
O texto dessa emenda circulou apenas entre poucas
pessoas, entre elas o ex-líder do PSDB Carlos Sampaio (SP) e o líder da bancada
do PP, Aguinaldo Ribeiro (PB). O PP é o partido com mais números de
congressistas suspeitos de participação no esquema de corrupção da Petrobras.
Eram dois os objetivos de deputados que
participaram das negociações: conseguir a anistia por prática de caixa dois
cometida até agora, com base no princípio de que lei não retroage para
prejudicar o réu; e inibir a atual inclinação da força-tarefa da Lava Jato – e
do juiz federal Sérgio Moro – de tratar como corrupção pura e simples o
recebimento de dinheiro que não esteja na contabilidade eleitoral.
Em resumo: aprovada a lei, os casos seriam
enquadrados na nova legislação sobre o caixa dois – e não como corrupção ou
outro crime com pena mais severa -, mas só haveria punição daqui pra frente.
Havia ainda os que defendiam, como garantia extra,
que o projeto deixasse explícita a anistia para os crimes cometidos até a data
que lei entrasse em vigor.
Sampaio nega tentativa de anistia a deputados. Diz
que o Ministério Público jamais defenderia uma proposta que beneficiasse
criminosos e que o objetivo era inibir a prática de caixa 2 já nas eleições de
outubro. Segundo ele, a Justiça poderia continuar a condenar os políticos
envolvidos no escândalo por crimes como o de corrupção.
O tucano disse que se houvesse “adendo” ao texto do
Ministério Público deixando clara a anistia, o PSDB votaria contra em peso.
PAI DA
CRIANÇA
“Foi uma situação engraçada. Todo mundo envolvido,
mas só havia o silêncio, ninguém se apresentava para defender a ideia”, disse
nesta terça-feira (20) Ivan Valente (PSOL-SP), um dos que se insurgiram contra
a manobra durante a sessão.
Ele, Miro Teixeira (Rede-RJ) e Alessandro Molon
(Rede-RJ) foram os responsáveis por protestar no plenário e forçar Mansur a
cancelar a votação. Quando já havia ficado claro que o presidente da sessão
retiraria o projeto da pauta, outros deputados aderiram ao coro contra a
medida, como o líder do PSD, Rogério Rosso (DF).
“Dizem que filho feio não tem pai, não é? Eles
acharam que com a proximidade das eleições poderiam aprovar isso na surdina, já
que muitos deputados que são candidatos ou que estão nas campanhas não viriam à
sessão. Tenho certeza de que se a gente não estivesse aqui isso teria passado”,
afirmou Molon, que é candidato à Prefeitura do Rio de Janeiro.
“Essa estratégia foi traçada por líderes
partidários, contando com a ausência de deputados. Foi feita uma trama bastante
complexa com a participação de bastante pessoas”, discursou nesta terça-feira
(20) o deputado Hildo Rocha (PMDB-MA), também contrário à medida.
Caso fosse a voto, a emenda seria apresentada pelo
deputado Aelton Freitas (MG), líder da bancada do PR. O deputado Vicente
Cândido (PT-SP) também era cotado para exercer a tarefa. O único deputado do PT
a se posicionar contra a medida na sessão foi Jorge Solla (BA). O líder da
bancada, Afonso Florence (BA), não se manifestou.
A reportagem apurou que o acerto envolvia
inclusive a promessa de que o Senado votasse a proposta nesta terça-feira.
Um dos principais temores dos deputados diz
respeito à lista divulgada em março com o nome de mais de 200 políticos que
teriam recebido recursos da Odebrecht. A empreiteira negocia acordo de delação
premiada com a força tarefa da Lava Jato.
(Folhapress)
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