Dallagnol e Pozzobon fizeram uma
porção de bobagens ontem, mas, ao se referir a provas e convicções, estavam
apenas evocando o Artigo 239 do Código de Processo Penal
Por Reinaldo
Azevedo, 15/09/2016,
www.veja.com.br
Petistas são especialistas em distorcer
a realidade. É a sua primeira natureza. Ou eles não seriam eles. Conseguiram,
por exemplo, viralizar uma frase que não foi dita por ninguém na
entrevista-show dos procuradores: “Não temos provas [contra Lula], mas temos a
convicção”. O próprio ex-presidente, no seu “stand up” de oposição ao de
Dallagnol, a repetiu, reproduzindo uma das barbaridades escritas por um
blogueiro sujo.
Assim, que fique claro: NINGUÉM DISSE
“NÃO TEMOS PROVAS, MAS TEMOS CONVICÇÕES”.
De toda sorte, aquele espetáculo
desastrado de ontem se prestou a esse tipo de distorção. Ora, ora… Mesmo quando
tudo é feito seguindo as regras e os cânones — vejam o processo de impeachment
—, a companheirada está preparada para o achincalhe. Imaginem, então, quando se
faz a escolha pelo erro. Então vamos entender a conversa mole toda, que remete
a um aspecto importante da legislação.
Disse Deltan Dallagnol sobre Lula ser o
chefe do esquema criminoso:
“Provas são pedaços da realidade, que
geram convicção sobre um determinado fato ou hipótese. Todas essas informações
e todas essas provas, analisadas como num quebra-cabeça, permitem formar
seguramente, formar seguramente! a figura de Lula no comando do esquema
criminoso identificado na Lava Jato.”
Disse Henrique Pozzobon sobre o
apartamento de Guarujá:
“Precisamos dizer, desde já que, em se
tratando da lavagem de dinheiro, ou seja, em se tratando de uma tentativa de
manter as aparências de licitude, não teremos aqui provas cabais de que Lula é
o efetivo proprietário no papel do apartamento, pois justamente o fato de ele
não figurar como proprietário do triplex, da cobertura em Guarujá, é uma forma
de ocultação, dissimulação da verdadeira propriedade”.
Volta a dizer Dallagnol em entrevista
coletiva sobre Lula ser o chefe do esquema:
“Dentro das evidências que nós
coletamos, a nossa convicção com base em tudo que nos expusemos, é que Lula
continuou tendo proeminência nesse esquema, continuou sendo líder nesse esquema
mesmo depois dele ter saído do governo”.
Afirma ainda sobre a possibilidade de
acusar outras pessoas ligadas a Lula
“Mas nós precisamos lembrar que as
investigações continuam, o trabalho do Ministério Público não termina aqui, as
investigações continuam e se nós formarmos a convicção de que eles são
responsáveis por esses crimes eles serão igualmente acusados.”
Retomo
Por mais que Dallagnol e Pozzobon
gostem de se comportar como meninos maluquinhos, não falaram “Não temos provas,
mas temos convicções”. Isso é o que o PT gostaria que eles tivessem falado. A
mentira petista virou uma fonte inesgotável de piadas. “Não tenho provas, mas
tenho a convicção de que Fulana é louca por mim”…
Dallagnol e Pozzobon erraram feio, mas
não nas frases acima, embora eu ache que um dos tipos penais relativos ao
apartamento não seja lavagem. Mas nem entro nisso agora. Os dois procuradores
estão se referindo ao Artigo 239 do Código de Processo Penal, em que se lê:
“Art. 239. Considera-se indício a
circunstância conhecida e provada, que, tendo relação com o fato, autorize, por
indução, concluir-se a existência de outra ou outras circunstâncias.”
Reproduzo abaixo trecho do voto do
então ministro do Supremo Ayres Britto ao condenar José Dirceu por corrupção
ativa:
“(…) os fatos referidos pelo Procurador-Geral da República (…) se encontram provados em suas linhas gerais. Eles aconteceram por modo entrelaçado com a maior parte dos réus, conforme atestam depoimentos, inquirições, cheques, laudos, vistorias, inspeções, e-mails, mandados de busca e apreensão, entre outros meios de prova. Prova direta, válida e robustamente produzida em Juízo, sob as garantias do contraditório e da ampla defesa. Prova indireta ou indiciária ou circunstancial, colhida em inquéritos policiais e processos administrativos, porém conectadas com as primeiras em sua materialidade e lógica elementar(…)”.
Atenção! As provas indiciárias figuram
no direito brasileiro desde 1941. Nada têm a ver com a tal “teoria do domínio
do fato”. Menos ainda com a detestável “responsabilização objetiva” na esfera
penal. Um exemplo popular: um conjunto de elementos fáticos permitiu à Justiça
chegar à conclusão de que a modelo Eliza Samudio foi assassinada e de que o
goleiro Bruno participou da arquitetura criminosa que resultou na sua morte. O corpo
nem sequer foi encontrado.
Os senhores procuradores fizeram, sim,
uma porção de tolices nesta quarta-feira. Essa, que se lhes atribuem, ao menos,
não! Não há nada de errado nas respectivas declarações. O erro está no show e
em usar uma acusação, não consubstanciada num tipo penal, para demonstrar o
cometimento dos outros crimes.
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