É bem provável que a Corte dê uma
de Salomão, só que, desta vez, dividindo mesmo a criancinha: vai ignorar todos
os recursos e igualar o certo e o errado
Por Reinaldo
Azevedo, 05/09/2016,
www.veja.com.br
O que eu acho que deveria acontecer no
Supremo? Bem, se os senhores ministros decidirem seguir a Constituição, em vez
de endossar o disparate de Ricardo Lewandovski, a senhora Dilma Rousseff estará
inabilitada para a função pública por oito anos. E ponto. Ou por outra: o
Supremo tem o controle de constitucionalidade do processo de impedimento do
chefe do Executivo.
O Senado vota como quiser desde, que
seja de acordo com a Constituição, de que a Corte é a guardiã. “Ah, mas seria
preciso fazer uma nova votação, uma vez que os 61 votos foram dados apenas para
o impedimento, não para a inabilitação.” Discordo. Sessenta e um senadores
resolvem que Dilma perdeu o mandato por crime de responsabilidade. A inabilitação
é uma conseqüência dessa ocorrência. A votação seguinte, que manteve os
direitos políticos de Dilma, simplesmente se deu fora dos parâmetros da
Constituição. Não vale — ainda que feita sob o patrocínio e, segundo se apurou,
a coordenação do próprio Ricardo Lewandowski, o que deveria lhe render, também
a ele, o impeachment.
Isso é o que eu acho que deveria
acontecer, mas não é o que eu acho que vai acontecer — não, ao menos, no
STF. A tendência é que prevaleça mesmo o vício da conciliação e a patacoada
de que a palavra do Senado, como o juiz natural do presidente, é a última, sem
apelo. Será um momento lindo a gente ver ministros que interfeririam até na
formação de uma simples comissão na Câmara — ignorando o Regimento Interno da
Casa e sem que houvesse qualquer imposição constitucional que justificasse
a intervenção — a explicar que a Corte nada pode fazer quando a Constituição é
estuprada pelo presidente do Supremo.
O mais provável é que prevaleça a
solução salomônica, só que, desta feita, com a divisão da criancinha ao meio,
que, no caso, é a própria Constituição. A que me refiro? A defesa de Dilma
decidiu entrar com dois recursos pedindo a anulação do julgamento. Já tratei do
assunto aqui. A argumentação é de um ridículo sem-par. Já as ações que
questionam o fatiamento estão assentadas na Carta Magna, que é absolutamente
explícita: a perda do mandato implica a inabilitação. Nenhum juiz natural tem o
direito de desrespeitar os códigos legais. Ao contrário: sua função é
aplicá-los. Sendo explícitos basta evocá-los; não sendo, é precioso que se os
interprete. E, no caso, o Parágrafo Único do Artigo 52 da Carta é explícito a
mais não poder: perdeu o mandato, a inabilitação vem como conseqüência. Não há
arbitragem.
Vamos ver. A condução das votações no
tribunal será feita pela ministra Cármen Lúcia, com fama de austera. No dia 10
de setembro, termina o lamentável biênio de Ricardo Lewandowski à frente do
STF. O ministro se mostrou mais reverente à corporação do que à Constituição e
não conseguiu, na reta final do julgamento e do seu período à frente da
Presidência do STF, ignorar as suas afinidades eletivas.
A irresponsabilidade de Lewandowski,
num momento como o que vivemos, é assombrosa. Notem: estivesse eu aqui a cobrar
que um ministro do Supremo ignorasse o texto constitucional para “salvar o
país”, então vocês poderiam me tomar por um canalha. Mas eu estou fazendo
justamente o contrário: defendo que se cumpra a Constituição. E penso que
canalhice é rasgá-la.
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