Por Reinaldo
Azevedo, 23/09/2016,
www.folhades.paulo.com.br
Lula poderia ter escolhido um fim
mais digno.
Olho para o homem que sai vociferando palanques
afora melancolia, ressentimento e bravatas e me dou conta do desfecho miserável
que terá a personagem inventada pelos sonhos de reparação da esquerda
intelectual brasileira.
O retirante pobre, operário de baixa escolaridade e
militante sindical que chegou à Presidência da República tinha tudo para ser um
exemplo do milagre da democracia. Em vez disso, a sua maior obra, já apontei
uma vez nesta coluna, foi ter recuperado a comunhão etimológica entre "política" e "polícia".
De tal maneira fez uso das licenças da democracia
para corrompê-la que ninguém se mostra disposto a ouvir nem eventuais
restrições procedentes à forma como se dá a merecida persecução penal dos
crimes cometidos pelo partido, por seu representante maior e por seus sócios.
Acuado pelos fatos, Lula decidiu reviver a figura
do mártir, que, segundo ele mesmo, está sendo perseguido por ter tido a ousadia
de tirar os brasileiros do século 18. A fala tem o seu encanto involuntário. O
século 18, no Ocidente, costuma ser celebrado como aquele em que o homem
redescobriu as Luzes. Em certa medida, o Apedeuta não nos tirou "do"
século 18. Ele nos roubou também "o" século 18.
É compreensível que Lula busque tal conforto moral.
Ele já não tem mais tempo de se reinventar. Mas não é sem estupefação, embora
não me surpreenda que os, vá lá, ditos "intelectuais de esquerda" se
neguem a reconhecer, com o esfacelamento do petismo, o último suspiro da ilusão
de que um ente de razão pode, mais do que governar, substituir a sociedade.
Um líder e um partido que estivessem conformados
com a democracia nem enxergariam na vitória dos adversários o triunfo de uma
conspiração nem numa eventual virada do jogo, se um dia vier, a redenção da
verdade e o juízo final. A razão é simples: esse pensamento ou pertence à
esfera religiosa, escatológica, ou à cultura revolucionária. E revolução se faz
com sangue. Eventualmente, pode-se tentar aniquilar o "inimigo" com
mensalão, petrolão e outras corrupções da verdade e da vontade.
Não tivesse se tornado boneco de ventríloquo da
esquerda, anunciando velharias cuja exata extensão desconhece, Lula poderia ter
sido nosso Lincoln, mas sem desfecho trágico. Em vez disso, tornou-se um zumbi.
DISSONANTE
Escreveu Sergio Moro ao aceitar a denúncia contra
Lula: "É durante o trâmite da ação penal que o ex-presidente poderá
exercer livremente a sua defesa, assim como será durante ele que caberá à
acusação produzir a prova, acima de qualquer dúvida razoável, de suas alegações
caso pretenda a condenação. O processo é, portanto, uma oportunidade para ambas
as partes".
Sem a última frase, seria apenas uma tautologia.
Acrescido o trecho daquele rabicho, aí se está diante de um entendimento torto
do que é o direito numa democracia. Caberá sempre ao acusador o ônus da prova.
O acusado não tem como produzir prova negativa. Não se trata, pois, de
"uma oportunidade para ambas as partes" porque estamos falando de
estatutos absolutamente diversos. As palavras fazem sentido, e eu cobro o
sentido das palavras. De um petista ou de Moro.
MANTEGA
Prisão e soltura nada têm a ver com Justiça e
cumprimento da lei. Chanchada. Força-tarefa e juiz quiseram dar um recado:
"Mandamos soltar e prender quando nos der na telha. São todos criminosos".
E são. Mas se age como se não houvesse lei. A cereja do bolo é a divulgação do
vídeo com Eike Batista. A revelação de um crime serve para lavar uma
arbitrariedade. É um mau caminho.