Você precisa comprar a pauta-bomba de nosso governo: cortaremos na
carne, na sua carne, morô?
Por Ruth de
Aquino, 31/07/2015,
www.época.com.br
Devo não nego. Pagarei quando puder. E com a ajuda
de vocês. Governadores, prefeitos, deputados, senadores. Mas apelo, sobretudo a
você. Você pai ou mãe de família, que perdeu seu poder de consumo, perdeu o
emprego, perdeu salário e crédito, perdeu conforto e esperança, perdeu
economias, perdeu sua lojinha, sua microempresa, seu apartamento, seu carro.
Perdeu até as estribeiras, porque se sente intimidado por gangues das ruas e
dos palácios.
Você precisa vestir minha camisa, que é a camisa do
Brasil, agora em tamanho menor devido à dieta argentina. Você tem de acreditar,
mesmo que o PT tenha provado ser um mau pagador de promessas. Eu e o Guido no
ano passado pedalamos a mesma bicicleta, aquela de dois lugares, para atropelar
todas as contas que atravessavam nosso caminho glorioso. Mesmo assim você
precisa se sacrificar.
Você precisa nos ajudar a manter bem altos os
lucros dos bancos, porque eles sempre se dão bem, já reparou? Com a ajuda de
cortes, câmbio e juros, os grandes tiveram lucros históricos. Você precisa
aceitar calado a redução do salário, você precisa cuidar de seu rombo
particular. Porque o meu rombo no primeiro semestre foi inédito na história, um
déficit de R$ 1,6 bilhão de janeiro a junho. Um rombão, tudo é
aumentativo por aqui, mensalão, petrolão, eletrolão.
Você precisa reunir a família, assim como eu reuni
os meus parentes próximos e distantes, os governadores dos Estados. Para
explicar que a gastança e o desperdício têm de parar. E, claro, eles entenderam
que, se eu for atingida, eles vão junto. Como se não bastasse o Brasil perder
selo internacional de bom pagador, ganhará o selo de mau gastador.
Você precisa sobretudo comprar nossa “pauta-bomba”,
que é a seguinte: cortaremos na carne, na sua carne, entendeu? Não falo de
churrasco de fim de semana, esse já era. Falo de cortes mais nobres. Cortes de
gastos públicos, que eu e o Levy prometemos. Vamos cortar no sal grosso: no PAC
(Programa de Aceleração do Crescimento), na Saúde e na Educação. Morô? Não,
esse verbo não, lembra o sobrenome daquele juiz que não larga o meu pé nem o de
meus companheiros empreiteiros. Juiz posudo, metido a italiano da gema, com
ternos bem cortados e essa obsessão de lavar tudo a jato, como se a água e meu
governo fossem acabar amanhã.
Você sabe que tem gordura nos hospitais e nas
escolas, não? Gordura no chão, nos corredores, nas salas de cirurgia e de aula.
Ah, você deixa esses itens do orçamento doméstico para cortar por último? Você
preserva ao máximo a saúde e a educação de sua família e prefere cortar
primeiro os supérfluos? Entendi: é porque você valoriza a vida e o futuro deles
e a oportunidade real de crescimento digno e sustentável.
Por isso a classe média não vai para frente, caem
no cheque especial, paga juros escorchantes no cartão de crédito. E a gente
(nós e os intelectuais do PT) tem ojeriza a esse pessoal conservador, não
afeito a riscos, enfim, uma classe média reacionária. Não é uma categoria
politizada. Além de ser gigante, difícil de ser manobrada, a classe média
cultua a ideologia do bem-estar da família. E ponto.
Você também sabe que a gente gosta de dar esmola
aos pobres e de adular os ricos. É a tal governabilidade, uma receita
infalível. Posar de mãe de miseráveis e se locupletar com os grandes projetos.
Vimos agora que o nuclear entrou na dança premiada. Minha geladeira vive
abarrotada de energéticos para agüentar o tranco de nossa House of Cards.
Graças a Deus que lá também, no Congresso, acabou a
mamata. E também a proteção que dávamos ao ex-PMDB comportado de Sarney. Agora
o Congresso quer me derrubar, prefere o diretor da escola, aquele que parece
uma esfinge e não diz nada, você sabe quem é, só espera mais um passo meu em
falso. Bota falso nisso. Agosto começou e deveria ser menor. Vou arrumar umas
viagens internacionais.
Já nos livramos da Catta Preta, a advogada de
delatores que se mudará para Miami por medo. Você também tem medo, não? É a
lógica de gangues que impera no país. Viu as cenas no Brás, em São Paulo, com
cidadãos, muitos idosos, cercados e roubados por abutres? Você se sente ameaçado
por taxas e impostos, por assaltantes, golpistas e policiais, por empresas de
serviço, todo mundo tascando um pedacinho seu? Tente um pacto, como eu.
Esqueçam minhas pedaladas fiscais, me ajudem a
aprovar minhas contas no TCU, não deixem que a Caixa e o Banco do Brasil cobrem
de mim mais de R$ 1 bilhão em taxas dos programas sociais. Reclamem menos da
inflação de hoje porque ela tende a piorar amanhã. Não critiquem inaugurações
de clínicas sem médicos ou fechamento de escolas sem professores. Não somos um
governo-bomba.
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