É triste constatar que Dilma
Rousseff renunciou à possibilidade de deixar o governo com um mínimo de
dignidade
Por Augusto
Nunes, 03/05/2016,
www.veja.com.br
Editorial do Estadão
No comício promovido pela CUT em São Paulo para comemorar
o 1.º de Maio, a presidente Dilma Rousseff mostrou-se capaz de, nos estertores
de seu catastrófico mandato, transpor a barreira do ridículo para se perder nas
brumas da falta de juízo. É o caso de se pensar se já não é mais questão de
mero impeachment, mas de auxílio terapêutico. Não há outra explicação para
Dilma ter afirmado que seus opositores são os verdadeiros “responsáveis pela
economia brasileira estar passando uma grande crise”. Afirmação que soa tão
mais insana quando feita no mesmo discurso em que anunciou um “pacote de
bondades” que amplia o bilionário rombo orçamentário que legará a seu sucessor.
É triste constatar que Dilma Rousseff renunciou à
possibilidade de deixar o governo com um mínimo de dignidade, se não admitindo
honestamente erros cometidos – atitude que não combina com sua enorme
arrogância – pelo menos se poupando, e ao país, do deplorável espetáculo desse
ímpeto revanchista com que tenta transferir a outros a responsabilidade por sua
clamorosa incompetência. A escalada de absurdos a que Dilma se entregou nesses
últimos dias torna plausível até as mais disparatadas especulações que circulam
em Brasília. Fala-se, por exemplo, que, para registrar de modo dramático sua
indignação e repulsa ao “golpe” de que se considera vítima, Dilma estaria
cogitando receber a comunicação oficial do afastamento literalmente acorrentada
a sua cadeira presidencial. Só pensar em tal cena já é um disparate.
Se o desempenho de Dilma no comício da CUT já foi
chocante, imagine-se o que virá por aí. O Palácio do Planalto programou, até o
fim desta semana, uma intensa agenda de compromissos públicos que Dilma
pretende usar não apenas para atacar os “golpistas” que a vitimam, como para
continuar iludindo a população com o anúncio de projetos de “bondades” que
certamente não ofereceria se ela própria tivesse que arcar, mesmo na qualidade
de presidente da República, com o pagamento das contas. O rombo orçamentário
previsto para este ano é de cerca de R$ 100 bilhões e até dias atrás Dilma não
via problema em aprofundar esse buraco. O “pacote de bondades” anunciado pela
presidente provocará, sem dúvida, um aumento do déficit orçamentário com o qual
o próximo governo terá que se haver. É a chamada cortesia com o chapéu alheio,
que depois permitirá ao PT, na oposição, criticar severamente o “descontrole
das contas públicas”.
No campo estritamente político, alguns petistas se
mostram dispostos a apoiar a ideia da realização de eleições presidenciais
antecipadas que está sendo apresentada por um grupo de senadores. Há notícias
de que Dilma estaria considerando essa possibilidade, que implicaria sua
renúncia e a de Michel Temer a seus mandatos. Mas dentro do próprio PT há forte
resistência à ideia, sob o argumento de que a renúncia de Dilma seria
interpretada como uma confissão de culpa. E ninguém acredita que Michel Temer a
aprove.
A antecipação do pleito presidencial para outubro
próximo, coincidindo com as eleições municipais, objetivaria a escolha apenas
de novo presidente e vice, para completar o mandato de Dilma, que termina em 31
de dezembro de 2018. A novidade dependeria da aprovação de uma emenda
constitucional. Mesmo que Senado e Câmara conseguissem cumprir os prazos
estabelecidos para a tramitação da emenda e o Tribunal Superior Eleitoral
lograsse preparar em tempo a eleição para outubro, o quórum exigido para
aprovação é praticamente inatingível nas atuais circunstâncias políticas. Além
disso, a proposta esbarraria na intransponível cláusula constitucional da
anualidade exigida para todas as modificações do processo eleitoral. A
proposta, portanto, se presta apenas a tumultuar o ambiente político e retardar
o urgente trabalho de reconstrução que o País exige.
Mas não é um disparate, como alguns julgam. Afinal,
seria desta maneira que o PT reduziria os prejuízos eleitorais que o petrolão e
o desastre do governo Dilma decerto lhe causarão. E, mais importante, a
campanha eleitoral colocaria Lula, hoje um dois de paus, novamente no proscênio
político. Dilma e a tigrada do PT, enquanto agonizam politicamente, não deixarão
passar nenhuma oportunidade para “infernizar” o governo que deverá assumir nos
próximos dias. O país? Ora, o país que se dane.
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