Hoje, como nos tempos de
Nelson Rodrigues, é preciso ter coragem para enfrentar as patrulhas ideológicas
e repetir suas sábias palavras: "Sou um ex-covarde".
Por
José Fucs, 25/03/2013,
www.época.com.br.
Nelson Rodrigues: “Por
medo das esquerdas, grã finas e milionários fazem poses socialistas”.
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sujeito prefere que lhe xinguem a mãe e não o chamem de reacionário”, disse
Nelson Rodrigues numa de suas crônicas, à qual deu o título de O ex-covarde. Publicada em sua coluna no jornal “O
Globo”, em 18 de outubro de 1968, a crônica do grande Nelson, na qual ele
falava sobre a superação do medo que sentia de expressar publicamente suas
ideias libertárias e anti-esquerdistas, é uma daquelas obras primas que
sobrevivem ao tempo e ao contexto em que foram produzidas. Não fosse pela
menção a alguns personagens da época, como o escritor e pensador católico Alceu
Amoroso Lima (1893-1983), o líder chinês Mao Tsé Tung, o “Grande Timoneiro”, e
Che Guevara, o “herói” da “Revolução Cubana”, ela poderia ser republicada hoje
sem que ninguém pudesse desconfiar de que foi escrita 45 anos atrás.
N
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o
Brasil atual, como nos tempos de Nelson Rodrigues, é preciso ser de esquerda ou
pelo menos parecer de esquerda, para não se tornar alvo do escárnio das
“patrulhas ideológicas”. Não importa se você é da situação ou da oposição, se é
rico ou pobre, doutor ou analfabeto. Pode ser empresário da FIESP, a entidade
que reúne os industriais paulistas, banqueiro de terno escuro, coronel do
Nordeste, artista, intelectual, jornalista e até “rato de praia” da zona sul
carioca. Ninguém quer ser chamado de “reacionário”, “de direita”,
“conservador”, “liberal” ou “neoliberal” – as palavras de baixo calão que
designam hoje no país o ser “abominável” capaz de acreditar que “a liberdade é
mais importante do que o pão”, como dizia Nelson Rodrigues. “Por medo das
esquerdas, grã finas e milionários fazem poses socialistas”, escreveu ele em
sua crônica – um fenômeno que continua acontecer no Brasil, em pleno século
XXI. Poucos, muito poucos, têm a coragem que ele teve de manter suas convicções
e enfrentar o ímpeto difamatório da tropa de choque da gauche. Caberiam numa
Kombi.
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mbora
o Muro de Berlim tenha caído em 1989 e a União Soviética se desintegrado em
1991, a impressão que se tem no Brasil hoje é de que ainda estamos em plena
Guerra Fria. Experimente, por exemplo, defender abertamente o capitalismo numa
mesa de bar na Vila Madalena, em São Paulo, ou no Baixo Leblon, no Rio. Ou, se
preferir, diga que a Cuba de Fidel Castro é uma ditadura que não respeita os
direitos humanos. Ou, então, tente defender abertamente os Estados Unidos,
considerado o satã mundial pela esquerda tupiniquim. Os “patrulheiros” de
plantão provavelmente vão ridicularizá-lo em praça pública, como fazia o regime
de Mao, durante a Revolução Cultural, nos anos 1960.
A
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diferença dos tempos de Nelson Rodrigues é
que, na época de Nelson, Lula e o PT ainda não existiam e eram os comunistas de
tonalidades variadas que formavam as milícias ideológicas. Hoje, no Brasil, o
patrulhamento parte, com frequência, do próprio governo, que divide a sociedade
entre “nós” – a situação -, os defensores dos pobres e oprimidos, e “eles” – a
oposição -, os representantes das elites, “que não aceitam a ascensão de um
líder popular como Lula”.
N
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o
Brasil dominado pelo PT e por seus simpatizantes, o maniqueísmo ideológico
transformou-se em política de Estado. Quem ousa dizer que Lula deveria ser
investigado por sua participação no mensalão e defende abertamente a condenação
dos mensaleiros petistas pelo Supremo Tribunal Federal, por compra de votos no
Congresso Nacional e desvio de dinheiro público, é tratado como inimigo público
pela turma de Brasília, pelos dirigentes do PT e pela “guarda revolucionária”,
que se multiplica pelas redes sociais.
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uitas
vezes, como ocorreu com a blogueira cubana Yoani Sánchez, impedida pelos fundamentalistas
de esquerda de realizar palestras e noites de autógrafos de seu livro no país,
os patrulheiros reagem com truculência. Com frequência, disparam campanhas
difamatórias pela internet, por meio de ONGs obscuras financiadas com recursos
públicos ou, nas palavras do ex-presidente do Banco Central, Armínio Fraga, com
“o seu o meu, o nosso” dinheirinho. Se alguém tiver alguma pretensão política e
não rezar pela cartilha da esquerda, será carimbado como “inimigo do povo” e
dificilmente conseguirá se livrar do rótulo incômodo, por mais que ele tenha
pouco ou nada a ver com a realidade. De toda forma, o que é ser “inimigo do
povo”? Não foi o capitalismo, afinal, o regime que permitiu o maior
desenvolvimento da história às sociedades que o adotaram?
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iante
desse patrulhamento obsoleto e inaceitável, ressuscitado com aval oficial, talvez
seja o caso de todos os que se sentem incomodados por esse ímpeto difamatório
deixarem o medo para trás e repetirem, para si mesmos, as sábias palavras de
Nelson Rodrigues: “Sou um ex-covarde”. “Para mim, é de um ridículo abjeto ter
medo das Esquerdas, ou do Poder Jovem, ou do Poder Velho, ou de Mao Tsé-Tung,
ou de Guevara. (...) Para ter coragem, precisei sofrer muito. Mas a tenho”,
disse ele, ao fechar sua crônica imortal.
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