Novo ministro da Justiça diz que
a sua prioridade é apoiar a Lava Jato, que chegou ao topo da cadeia de comando,
onde está a elite política do país
Por Thiago Bronzatto, 26/05/2016,
wwww.veja.com.br
'Não há necessidade de troca',
diz Moraes, sobre comando da Polícia Federal
Texto de Alexandre de
Moraes
O novo ministro da Justiça e Cidadania, Alexandre
de Moraes, está sentado numa das cadeiras mais espinhosas da Esplanada dos
Ministérios, em Brasília. Nos últimos três meses, três pessoas comandaram a
pasta. Para ter uma vida mais longa que a de seus antecessores, Alexandre de
Moraes sabe que deverá dar espaço à Operação Lava Jato. "Vou dar total
respaldo e maiores condições para combater a corrupção", diz ele.
"Todos serão investigados, independentemente de quem seja", garante,
constatando que a investigação do escândalo do petrolão chegou ao topo da
organização criminosa, onde está a elite política do país, incluindo alguns
ministros e colegas de governo.
Favorável à delação premiada e à participação da
Polícia Federal na elaboração desses acordos, Alexandre de Moraes é, por outro
lado, contrário à adoção da lista tríplice de candidatos mais votados pela
categoria para assumir a diretoria-geral do órgão. "A diretoria da PF acha
a lista tríplice necessária? Os superintendentes acham que ela é necessária?
Não. Na verdade, quem acha que é necessária é só a Associação Nacional dos
Delegados da Polícia Federal (ADPF)", diz Moraes, que acabou comprando uma
briga com os procuradores da República por dizer que o presidente não é
obrigado a se submeter à lista apresentada pela categoria. A declaração foi
interpretada como uma crítica direta à tradição da PGR. Ele alega, porém, que
estava falando dentro de uma tese.
Acostumado a lidar com críticas e trabalhar sob
pressão, Alexandre de Moraes foi secretário de Justiça de São Paulo em meio às revoltas
do MST (Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra) e foi secretário de
Segurança do governo de Geraldo Alckmin em São Paulo durante as manifestações sociais
que tomaram a Avenida Paulista. "Ninguém me oferece uma embaixada na
França, uma vaga bacana", brinca, sem desfazer a expressão séria.
Na prática, como o senhor dará respaldo à Lava
Jato?
Hoje a Lava Jato é o símbolo de uma operação
bem-sucedida da PF com o MPF, um símbolo de combate à corrupção. E não é só um
simbolismo, mas uma efetividade. A operação desmantelou o verdadeiro crime
organizado, constituído pela alta iniciativa privada e vários agentes do poder
público se imiscuindo para lesar o Erário. Em um de seus discursos mais
famosos, o senador romano Cícero dizia que o agente público corrupto deveria
ser duas vezes punido: pela corrupção e pelo exemplo que dá para novas
gerações. Mas há um terceiro fator: ele está tirando o dinheiro que é para o
saneamento básico, a saúde e a educação. Ele está causando indiretamente
diversas mortes. Não tem perdão. Por isso, se a Lava Jato precisar de mais
apoio financeiro, mais recursos humanos, apoio político institucional do
ministério, eu darei. Isso é uma determinação do presidente Michel Temer. Ele
quer garantir a total independência e a autonomia dos investigadores.
Alguns ministros que integram o governo Temer foram
citados por delatores e podem entrar na mira da Lava Jato. O senhor se sentiria
confortável diante de uma operação que envolvesse os seus colegas?
Eu falo com absoluta tranqüilidade, porque muito
tempo atrás investiguei políticos. Quem investiga fatos, e não pessoas. A
partir dos fatos que surgem numa investigação, chega-se a pessoas. Se esses
fatos levarem a provas contra pessoas, não importa se a pessoa é A, B, C ou D.
Não importa a cor, nem ideologia, nem cargo, nem idade. Todos serão
investigados, independentemente de quem seja.
Os vazamentos das operações e de informações da
Lava Jato também serão investigados em sua gestão?
Uma questão é investigar o vazamento de delação, de
interceptação telefônica, de laudo pericial e de questões sigilosas. Isso é
crime e tem que ser combatido. A outra questão é você, antes de investigar,
antes de saber quem foi, afastar alguém. Quando o segredo não é de um só, o
sigilo passa pela polícia, pelo cartório judicial, pelo Ministério Público,
pelo cartório do Ministério Público e pelo juiz. O processo passa por cinco
lugares. Se alguém vaza, a responsabilidade é da polícia? Não... Você tem que
investigar e chegar a quem vazou. Quem vazou vai ser responsabilizado
administrativa e criminalmente. Mas tem que ficar comprovado...
O ex-senador Delcídio do Amaral acusa o ex-ministro
da Justiça José Eduardo Cardozo de antecipar as operações da Lava Jato. Isso
também será investigado?
Tomei conhecimento disso pela imprensa. O doutor
Rodrigo Janot pediu o inquérito e foi instaurado. Se o titular da ação penal pediu
inquérito e achou que deve ser investigado, vai ser investigado até que não
paire dúvidas.
Assim como Delcídio, há diversos delatores na Lava
Jato que colaboram com a operação. O senhor é favorável a esse tipo de
instrumento de investigação?
A delação, no sistema anglo-saxônico, é usada há
mais de 100 anos. É um sistema pragmático que ajuda a desmontar uma organização
criminosa. Numa investigação, importa pegar o quarto escalão, que é facilmente
substituível, ou subir e atacar a cabeça da organização criminosa? Se você
ceifar o chefe da organização criminosa, aí, sim, você abate a corrupção. A
delação premiada ajuda a atacar a cabeça da organização criminosa.
O ex-presidente Lula tem sido apontado por
delatores e pelos próprios investigadores da Lava Jato como o provável chefe do
petrolão. O senhor concorda com isso?
Com as informações que tenho, não poderia dizer se
vai chegar ou não ao ex-presidente Lula. O procurador-geral já o incluiu na
investigação. O que é perceptível é que a Lava Jato já chegou ao escalão maior,
onde há uma promiscuidade entre a elite econômica e a elite política. Nesse
sentido, o procurador-geral achou por bem investigar o ex-presidente Lula. Só o
fato de existirem nomes da elite política do país, independentemente do partido,
e da elite econômica mostra a eficácia da Lava Jato. A operação começou pelo
quarto escalão, chegou ao terceiro, foi para a cúpula da Petrobras e a partir
daí a ramificação para a cúpula política e econômica. Nesse contexto, a delação
ajudou a chegar ao topo da organização criminosa. E é um instrumento que
envolve os quatro atores do mundo jurídico. Atuam a Polícia, o MP, o Judiciário
e os advogados.
O senhor é favorável, então, a que a Polícia
Federal continue atuando nos acordos de colaboração premiada, ao contrário do
que defende a Procuradoria-Geral da República?
Os quatro já atuam. A lei autoriza os quatro atores
a atuar. Quem vai homologar sempre a delação é o Poder Judiciário. Quem vai
contestar, apontar eventuais erros formais e matérias é o advogado. Quem é o
titular da ação penal e oferece a denúncia é o MP, que tem que participar da
delação também. E quem faz toda a investigação é a polícia. Os quatro têm que
participar.
E qual a sua opinião sobre a sugestão de se adotar
uma lista tríplice de policiais federais indicados para ocupar o cargo de
diretor-geral do órgão, seguindo a tradição do Ministério Público Federal?
Ah, esse negócio de lista tríplice... Eu sou
favorável à autonomia de cada delegado, de cada agente para exercer a sua
função. A Polícia Federal vai ter total independência, total autonomia para
exercer o seu papel. Mas a Polícia Federal faz parte do Poder Executivo. Não só
no Brasil, mas no mundo todo. O que nós vamos fazer é exatamente isto: garantir
total independência. A diretoria da PF acha a lista tríplice necessária? Os
superintendentes acham que ela é necessária? Não. Na verdade, quem acha que é
necessária é só a Associação Nacional dos Delegados da Polícia Federal (ADPF).
Todos os que estão atuando nas grandes operações não acham que isso seja
necessário. O que é necessário é garantir autonomia na investigação.
A cada mudança de ministro da Justiça se especula
sobre a saída do diretor-geral da Polícia Federal. Em sua gestão, o que
justificaria essa troca?
Nada justificaria. Senão, eu já teria encaminhado
pela troca. Eu acho que não há necessidade de troca. Tanto é que na própria
sexta chamei para conversar o doutor Leandro Daiello, que é extremamente
competente, afável no trato, uma pessoa agradável, que tem liderança e bom-senso.
Eu tinha uma dúvida que deveria perguntar a ele. Eu gostaria de saber se ele
estava ou não com vontade de continuar. Você também não pode manter uma pessoa
que não quer continuar. Ele não só se mostrou motivado, mas também disse que
tem vontade de continuar. Disse para seguirmos em frente, e pedia a ele que
marque uma reunião com a diretoria. Não acho que tenha nada a mudar. E não
mudei. Ele está aí, com o pé no acelerador. Se ele queria sair, disfarçou muito
bem. Nesse período tumultuado, é normal que ele se sinta numa situação
incômoda. Mas ele se mostrou extremamente motivado. Tanto é que a nossa
reunião, que era para durar uma hora, demorou três horas e meia. Eu também sou
inquisidor, né? Eu estava mesmo interessado em saber tudo. Eu sou curioso por
natureza. Foi uma reunião que não durou mais, para a sorte dele, que estava
olhando para o relógio, porque eu tinha uma reunião com o presidente Temer para
tratar sobre Olimpíada.
Há ameaças de ataques terroristas na Olimpíada,
conforme reconheceu recentemente um diretor da Agência Brasileira de
Inteligência (Abin)?
Veja só, não há nada que demonstre que vai ocorrer
alguma coisa no Brasil. Mas, obviamente, o Brasil deve tomar todos os cuidados
possíveis, porque somos o país anfitrião. O país anfitrião não pode se dar o
direito de negligenciar nenhum ponto. O presidente Temer fez questão de fazer
essa reunião sobre Olimpíada para verificar todos esses pontos. E pode ter
certeza que nós não estamos negligenciando nenhum ponto.
As manifestações contra o atual governo são motivo
de preocupação?
Qualquer movimento social, seja de esquerda,
direita, centro, liberal, conservador, anárquico, tem constitucionalmente
garantias de se manifestar. Não precisa pedir autorização. Pode defender a
ideia que quiser. A Constituição exige muito pouco, porque vivemos numa
democracia. Ela exige prévia ciência do poder público, para que possa organizar
os direitos dos demais, e que seja pacífica. É proibido manifestação com armas.
Qualquer movimento que respeite isso está constitucionalmente autorizado a se
manifestar. Se algumas pessoas praticam crimes, quebram e queimam tudo, não é
mais movimento social. Aí, tem que responder à polícia e à Justiça. De qualquer
forma, não acho que as manifestações tendem a aumentar. Já estão diminuindo. O
brasileiro quer trabalhar. O brasileiro quer que o país melhore.
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