Por Augusto Nunes, 28/07/2015,
www.veja.com.br
Texto de Merval Pereira publicado em O Globo
Ao comentar com ironia a pressão para que deixe a presidência
da Câmara dos Deputados se for denunciado pela Procuradoria-Geral da República,
o deputado Eduardo Cunha deu uma boa demonstração de como os valores éticos
estão em desuso na nossa política diária.
Cunha já havia anunciado que não renunciará mesmo
que seja denunciado, o que demonstra, por si, o desprezo que nutre pelas
aparências. É verdade que hoje em dia é difícil até mesmo um japonês fazer o
harakiri devido a desvios morais, mas não precisa exagerar.
Caso seja denunciado por corrupção, Eduardo Cunha
tem a obrigação de abrir mão da presidência da Câmara, ou pelo menos se
licenciar do cargo, para não desmoralizar ainda mais a instituição, e poder se
defender das acusações. Não basta dizer-se perseguido pelo Palácio do Planalto,
até mesmo por que uma perseguição política não tem o dom de tornar culpados em
inocentes.
Seus adversários podem estar se aproveitando da
fragilidade de sua posição para tentar desmoralizá-lo, mas esta é a parte do
jogo que é lícita. Para provar que o jogo pesado do governo é mais profundo,
isto é, que a denúncia de que recebeu milhões de dólares em suborno é forjada,
Eduardo Cunha precisará fazer mais do que simplesmente gritar contra uma
suposta armação política.
Terá que provar sua inocência, mostrar ao
eleitorado que merece estar na presidência da Câmara. O Brasil já esteve mais
sintonizado com os valores morais, mesmo em situações políticas degradadas como
as de agora. Políticos poderosos como Antonio Carlos Magalhães, Jader Barbalho,
o próprio Renan Calheiros, já se sentiram constrangidos em situações políticas
adversas, e abandonaram os cargos, impossibilitados de nele permanecerem pela
própria pressão de seus colegas, pressionados por seu lado pela opinião
pública.
Hoje, o mesmo Calheiros, embora esteja sendo
investigado em várias frentes, não se sente pressionado a deixar o cargo.
Mudaram os tempos. Cunha ontem observou que o PT teria que ter os mesmos
princípios “para todos os quadros deles que são por ventura investigados ou
suspeitos de qualquer coisa. Se eles pedem qualquer tipo de coisa em relação a
mim, deviam começar pedindo o afastamento de ministros e talvez discutindo o da
própria presidente. Talvez eles possam aderir à tese do impeachment, ironizou”.
Raciocínio perfeito, se não fosse a negação, pelo
absurdo, do comportamento correto que todos os políticos deveriam ter. Cunha
exige do PT um comportamento que, para ele, é despropositado, pois se considera
perfeitamente adequado à presidência da Câmara mesmo que seja denunciado por
corrupção.
Da mesma maneira, o presidente do Tribunal de
Contas da União (TCU), Aroldo Cedraz, nem pisca diante da denúncia de que seu
filho, Tiago Cedraz, faz advocacia administrativa no órgão que integra e hoje
preside. O bom-senso, se não a boa educação cívica, exigiriam que o filho
andasse a léguas de distância do TCU, mas pelo que consta o presidente Cedraz
nem esboçou um gesto simbólico de colocar o cargo à disposição para tentar
obter o apoio dos colegas.
Simplesmente não cogitou nenhuma atitude, por que
já não existe constrangimento em manter as posições como se nada estivesse
acontecendo. No Brasil parece que se você não se mexe quando denunciado, tudo
acabará sendo esquecido, um novo escândalo tomará o lugar do antigo.
Instalou-se no país uma tal selvageria na gestão da
coisa pública que temos 10% do Congresso investigado, o que torna todos os
gatos gordos em pardos, dificultando a profilaxia necessária. Em outros tempos,
e também tempos bicudos em termos morais, pelo menos as comissões de Ética da
Câmara e do Senado já estariam discutindo a questão, nem que fosse para manter
as aparências.
Hoje, os presidentes da Câmara e do Senado se
sentem em condições de ditar a agenda do país, e ainda colaboram para que a
presidente da República pose de inatacável. Eduardo Cunha e Renan Calheiros se
dizem vítimas de um complô palaciano. E a presidente Dilma se diz vítima de
políticos inescrupulosos e de um Tribunal de Contas sob suspeita.
Quando todos são culpados, ninguém é punido. Será
que o país agüenta?
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