Por Augusto Nunes, 19/05/2015,
www.veja.com.br
Texto de
Branca Nunes
Neste 7 de maio, o governo federal comemorou a
aprovação na Câmara dos Deputados da PEC 665, embrulho incluído no balaio do
ajuste fiscal que altera regras no seguro-desemprego. Mais uma vez, Dilma
Rousseff e seus parceiros avisaram que é pelo bem do Brasil que a população
será sacrificada. A mesma cantilena foi entoada para que os pagadores de
impostos aceitem outra contradição absurda: os parteiros do slogan Brasil –
Pátria Educadora cortaram R$ 500 milhões da verba que deveria garantir a
professores e bibliotecas públicas o suprimento de livros didáticos. Há alguns
dias, enfim, o Ministério da Educação confessou que não resta um único tostão
para investir no FIES.
A indigência financeira, cujo codinome é
“contingenciamento de gastos”, provoca estragos que ultrapassam as fronteiras
do território nacional. Já no primeiro mandato de Dilma, o Brasil perdeu o
direito de voto em instituições internacionais, sofreu derrotas sucessivas na
disputa por cargos relevantes e foi proibido de comandar missões de paz da ONU,
entre outras sanções que deixaram em frangalhos a imagem do país. Como a soma
das dívidas com as agências da Organização das Nações Unidas já passou dos R$
600 milhões, não há perigo de melhorar.
Para recuperar, por exemplo, o direito de voto na
Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA), perdido desde 1º de janeiro de
2015, o país precisa pagar R$ 10,3 milhões. Um débito de R$ 15,4 milhões e dois
anos de calotes na contribuição financeira devida ao Tribunal Penal
Internacional expulsaram o Brasil do quadro de eleitores da instituição. Na
FAO, a dívida acumulada chegou a R$ 38,6 milhões.
As embaixadas desenham um quadro de penúria. Em
reportagem recente, o Estadão revelou que a representação brasileira em
Benim, na África ocidental, ficou sem água e luz por falta de pagamento. Os
telefones só não haviam emudecido porque um diplomata ali baseado quitou a
conta com o que restava do salário. A escassez de recursos atinge também
representações em Tóquio, nos Estados Unidos e em Portugal.
No ano passado, o Brasil se recusou a pagar a
contribuição obrigatória à Organização dos Estados Americanos (OEA), entidade
que reúne as nações das Américas do Sul, Central e do Norte. Dos 8,1 milhões de
dólares esperados, depositou apenas 1 dólar. Em contrapartida, o salário dos
parlamentares saltou no começo do ano de R$ 26.723,13 para R$ 33.763,00. E as
despesas federais no primeiro trimestre cresceram R$ 5,4 bilhões, passando de
R$ 822 bilhões para pouco mais de um trilhão de reais por ano. “Sem contar a
Petrobras”, ressalva o jornalista Carlos Brickmann.
Tudo somado, conclui-se que o Brasil Maravilha que
Lula pariu e Dilma Rousseff carregou no colo só existiu na cabeça baldia do
parteiro e no cérebro desabitado da babá. Pelo menos desde 2006, a dupla
insistiu em enxergar um colosso emergente no que nunca passou de um pobretão
metido a besta. Fantasiado de rico com um fraque puído nos fundilhos, há mais
de 12 anos a potência de araque deu de esbanjar lá fora o dinheiro que faz
falta aqui. Neste início do segundo mandato, o fraque foi reduzido a andrajos
que denunciam a miséria financeira e moral do perdulário irresponsável.
Neste 12 de maio, a Câmara dos Deputados aprovou a
liberação de mais R$ 50 bilhões para o Banco Nacional de Desenvolvimento
Econômico e Social (BNDES). O governo parece achar pouco: o ministro da
Fazenda, Joaquim Levy, move-se nos bastidores para apressar a transferência de
outros R$ 10 bilhões atualmente em poder de um fundo criado com uma fatia de
recursos do FGTS. De 2006 para cá, o total de empréstimos do Tesouro ao
BNDES ultrapassou a fronteira dos R$ 410 bilhões — 8,4% do PIB.
Boa parte da dinheirama esvaiu-se na construção de
usinas, portos, rodovias e aeroportos no exterior ─ em transações mantidas sob
sigilo e sempre com juros de pai para filho. “Fazer empréstimos internacionais
sem que eles passem pelo Congresso é uma atitude inconstitucional que se
cristalizou no governo Lula e Dilma”, observou Maristela Basso, professora de
direito internacional da USP, numa entrevista a Heródoto Barbeiro. “Emprestar
para Cuba de forma secreta para a construção do Porto de Mariel, por exemplo, é
nulo perante o direito brasileiro”.
Inconstitucional ou não, é o que o governo federal
faz há mais de uma década. Entre 2006 e 2012, US$ 3,2 bilhões (R$ 6,4 bilhões)
foram consumidos em empréstimos a companhias brasileiras em Angola –49% para a
Odebrecht–, de acordo com uma reportagem da BBC Brasil. Trecho: “A Odebrecht
conta com parte de uma nova linha de crédito do banco, de US$ 2 bilhões, para
manter o ritmo de investimentos em Angola, entre US$ 500 milhões e US$ 600
milhões anuais (de R$ 1,1 bilhão a R$ 1,2 bilhão)”.
Também construído pela Odebrecht e financiado pelo
BNDES, o porto de Mariel engoliu US$ 682 milhões só na primeira etapa. Com 18
metros de profundidade, 12 quilômetros de ferrovias e 70 quilômetros de
rodovias com pista dupla no entorno, o porto cubano é tudo o que o Porto de
Santos, em São Paulo, quer ser quando o governo decidir gastar por aqui as
verbas que sobram para modernizar a infraestrutura de países companheiros.
Pelo atalho do BNDES, a Queiróz Galvão fez chegar
um bilhão de dólares aos canteiros de obras da hidrelétrica de Tumarín, na
Nicarágua. No Equador, a Odebrecht foi contemplada com mais de US$ 90 milhões
para construir a Hidrelétrica Manduriacu, além de outros US$ 240 milhões para a
hidrelétrica de San Francisco. Acusada de “desleixo” no cumprimento do
cronograma, a empreiteira foi expulsa do país, em 2008, pelo presidente Rafael
Correa.
Cada vez mais numerosos esses acertos
internacionais, são cada vez menos transparentes. Não se sabe ao certo quais
são os critérios usados pelo BNDES para escolher parceiros. Boa parte das obras
financiadas beneficia países da África e da América do Sul cuja irrelevância
comercial é compensada pela permanência no poder de governantes amigos.
A suspeita de que o segredo de alguns contratos se
presta a ocultar tenebrosas transações ameaça o sigilo que, no caso de Cuba e
Angola, só seria suspenso em 2027. A reação do governo à iminente instauração
de uma CPI do BNDES reforçou a sensação de que a devassa na multibilionária
caixa-preta é inadiável. As descobertas podem espantar até os brasileiros
convencidos de que, depois do Petrolão, não se espantarão com mais nada.
Seguem-se 14 obras
no exterior financiadas pelo BNDES.
Porto de
Mariel (Cuba)
Valor da
obra: US$ 957 milhões (US$ 682 milhões por parte do BNDES) / Empresa
responsável: Odebrecht
Hidrelétrica
de San Francisco (Equador)
Valor da
obra: US$ 243 milhões / Empresa responsável: Odebrecht
Hidrelétrica
Manduriacu (Equador)
Valor da
obra: US$ 124,8 milhões (US$ 90 milhões por parte do BNDES) / Empresa
responsável: Odebrecht
Hidroelétrica
de Chaglla (Peru)
Valor da
obra: US$ 1,2 bilhões (US$ 320 milhões por parte do BNDES) Empresa responsável:
Odebrecht
Metrô
Cidade do Panamá (Panamá)
Valor da
obra: US$ 1 bilhão / Empresa responsável: Odebrecht
Autopista
Madden-Colón (Panamá)
Valor da
obra: US$ 152,8 milhões / Empresa responsável: Odebrecht
Aqueduto
de Chaco (Argentina)
Valor da
obra: US$ 180 milhões do BNDES / Empresa responsável: OAS
Soterramento
do Ferrocarril Sarmiento (Argentina)
Valor:
US$ 1,5 bilhões do BNDES / Empresa responsável: Odebrecht
Linhas 3
e 4 do Metrô de Caracas (Venezuela)
Valor da
obra: US$ 732 milhões / Empresa responsável: Odebrecht
Segunda
ponte sobre o rio Orinoco (Venezuela)
Valor da
obra: US$ 1,2 bilhões (US$ 300 milhões por parte do BNDES) Empresa responsável:
Odebrecht
Barragem
de Moamba Major (Moçambique)
Valor da
obra: US$ 460 milhões (US$ 350 milhões por parte do BNDES) / Empresa
responsável: Andrade Gutierrez
Aeroporto
de Nacala (Moçambique)
Valor da
obra: US$ 200 milhões ($125 milhões por parte do BNDES) / Empresa responsável:
Odebrecht
BRT da
capital Maputo (Moçambique)
Valor da
obra: US$ 220 milhões (US$ 180 milhões por parte do BNDES) / Empresa
responsável: Odebrecht
Hidrelétrica
de Tumarín (Nicarágua)
Valor da
obra: US$ 1,1 bilhão (US$ 343 milhões) / Empresa responsável: Queiroz Galvão