São ganhos flagrantemente
ilícitos, que deixam claro como a elite da burocracia estatal usa suas
prerrogativas para barganhar vantagens
Por Augusto
Nunes, 05/12/2016,
www.veja.com.br
Editorial do Estadão
O mais escandaloso com relação aos supersalários do
funcionalismo público não é apenas o número daqueles que acintosamente
desrespeitam o teto de vencimentos estabelecido pela Constituição, hoje fixado
em R$ 33.763. É, também, como mostram os últimos dados da Relação Anual de
Informações Sociais (Rais), do Ministério do Trabalho, o fato de que uma
maioria expressiva desses privilegiados se concentra no Judiciário – o Poder
encarregado de aplicar a Constituição e garantir a segurança do direito.
Segundo os dados da Rais de 2015, o maior número de
servidores com supersalários está nos Tribunais de Justiça (TJs), onde 3.041
servidores judiciais receberam mais do que o teto. O recorde foi batido pelo
Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro. Além de concentrar o maior número de
supersalários de serventuários de todos os TJs do País, a Corte só tem 1, entre
seus 861 juízes e desembargadores, recebendo dentro do teto. Até a filha do
ministro Luiz Fux, a desembargadora Marianna Fux, que está apenas há sete meses
na magistratura, desde o segundo mês na carreira ganha acima do teto, sob a
justificativa de que tem direito a receber “indenizações” que não são
contabilizadas como vencimentos.
Entre os benefícios concedidos aos magistrados e
servidores da Corte destacam-se auxílio-moradia, auxílio-creche e
auxílio-refeição. Benefícios semelhantes também são pagos a juízes, promotores
e defensores públicos em todos os Estados – há pouco, por exemplo, o Ministério
Público de Sergipe decidiu pagar auxílio-alimentação a todos seus promotores e
procuradores retroativo a 2004, sob a justificativa de dar a eles o mesmo
tratamento que o TJ sergipano dá a seus magistrados.
Os dados da Rais de 2015 revelam que em segundo e
terceiro lugares, depois dos Tribunais de Justiça, estavam os Executivos
federal e estaduais, com 2,5 mil funcionários recebendo supersalários. Em sua
maioria são chefes de departamento do serviço público, auditores fiscais e
agentes de saúde e procuradores. Em número menor do que nos Executivo federal e
estadual, o Legislativo também tem funcionários recebendo mais do que o
permitido. Na Assembléia Legislativa do Pará, quatro servidores administrativos
receberam entre R$ 114 mil e R$ 118 mil mensais, em 2015. No Senado, dez
senadores foram beneficiados com supersalários, no ano passado. Desse total,
nove são das unidades mais pobres da Federação e alegam que, por terem sido
governadores, têm direito adquirido a aposentadorias “especiais”. Alguns
afirmam que, por terem se aposentado antes da Constituição de 88, não podem ser
alcançados por ela em matéria salarial. “Minha pensão está respaldada pela
Constituição de 1967. A Carta de 88 mudou a regra, mas a perda do direito não
retroage”, diz o senador José Agripino, ex-governador do Rio Grande do Norte.
Em 2009, o Tribunal de Contas da União publicou um acórdão exigindo que o
Congresso respeitasse o teto do funcionalismo. Mas o Senado ignorou o acórdão,
alegando que não há condições técnicas de instituir um teto nacional, uma vez
que a União, Estados e municípios têm orçamentos e folhas de pagamento
independentes, preservando os supersalários dos senadores.
Os beneficiários de supersalários que não são
magistrados ou parlamentares ocupam cargos superiores nos Três Poderes, o que
lhes permite fazer lobby para continuar recebendo vantagens indevidas,
desrespeitando a Constituição. São ganhos flagrantemente ilícitos, que deixam
claro como a elite da burocracia estatal usa suas prerrogativas para barganhar
vantagens. “Receber salários superiores ao teto constitucional não é exatamente
corrupção, mas é tão ilegal quanto”, afirma o professor de Direito
Administrativo da USP Floriano de Azevedo Marques, depois de lembrar que no
total, em 2015, 13 mil servidores públicos de diferentes poderes e instâncias
se encontravam nessa situação.
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