Um pente-fino no Bolsa Família
era indispensável diante das evidências de que os governos petistas, por
negligência ou incompetência, haviam perdido o controle do programa
Por Augusto
Nunes, 15/11/2016,
www.veja.com.br
Editorial do Estadão
A constatação da existência de irregularidades no
pagamento do Bolsa Família a cerca de 1,1 milhão de famílias – o equivalente a
8% dos quase 14 milhões de famílias inscritas no programa – levou o governo a
cancelar 469 mil benefícios e bloquear – até que as objeções levantadas sejam
esclarecidas, num prazo de três meses – o saque de outras 654 mil contas em
todo o País. Explicou o ministro Osmar Terra, do Desenvolvimento Social e
Agrário, que não se trata de “corte ou economia de recursos, mas do necessário
controle de gastos”. E acrescentou: “O objetivo é separar o joio do trigo. Quem
realmente precisa vai continuar recebendo o benefício”.
Um pente-fino no Bolsa Família era indispensável
diante das evidências de que os governos petistas, por criminosa negligência ou
simples incompetência, haviam perdido o controle do programa. Há cerca de dois
meses, no início de setembro, o governo Temer anunciara a decisão de fazer uma
ampla varredura no cadastro do Bolsa Família, com a intenção de garantir que,
depurado dos pagamentos que vinham sendo indevidamente feitos, o programa passasse
a beneficiar um número maior de famílias realmente necessitadas de ajuda.
As irregularidades que agora começam a ser
corrigidas foram apuradas mediante o cruzamento de informações de 6 bases
distintas de dados: o Cadastro Geral de Empregados e Desempregados, o Cadastro
Nacional de Pessoas Jurídicas, o Instituto Nacional do Seguro Social, o Sistema
Integrado de Administração de Recursos Humanos, o Sistema de Controle de Óbitos
e a Relação Anual de Informações Sociais.
A existência de mais de 1 milhão de benefícios
suspeitos de estarem sendo concedidos indevidamente não é surpresa ao cabo de
mais de uma década em que o Bolsa Família foi manipulado pelo lulopetismo como
poderoso instrumento para a consolidação de seu projeto de poder. A história é
conhecida, revelada anos atrás pelo ex-petista Hélio Bicudo, e remonta ao
início do primeiro mandato de Lula, no momento em que o comando político do
governo promovia a transformação do projeto original, Fome Zero, em Bolsa
Família.
O Fome Zero era, mais do que um programa de
transferência de renda, um amplo, complexo e dispendioso projeto de inclusão
social que demandaria tempo para ser implantado e para produzir efeitos
políticos. Em reunião no Palácio do Planalto, os responsáveis pelo Fome Zero,
entre eles Hélio Bicudo, questionaram o então ministro José Dirceu, chefe da
Casa Civil de Lula, a respeito da troca de um programa socialmente
reestruturante que ambicionava promover uma transformação social, por outro que
atingiria desde logo uma quantidade muito maior de beneficiários, mas
praticamente se limitaria àquilo que o Fome Zero também previa: a transferência
direta e mensal de uma “renda mínima”. A explicação do chefe da quadrilha do
mensalão foi curta e grossa: “O Bolsa Família representa 40 milhões de votos”.
O Bolsa Família, de qualquer modo, cumpre o papel
de prover minimamente necessidades materiais básicas, como a de ter o que
comer, de uma população carente de outras fontes suficientes de recursos. Nem
se trata de questionar, como ocorreu no passado dentro do próprio governo
petista, a capacidade desse programa de abrir de fato a possibilidade de futura
inclusão dos desvalidos na vida econômica do País. Mas é claro que, tendo sido
o Bolsa Família concebido primordialmente para garantir ao lulopetismo um curral
eleitoral de “40 milhões de votos”, durante os governos Lula e Dilma ninguém se
preocupou para valer com o controle rigoroso dos cadastros. Daí aberrações como
as reveladas agora, de que pelo menos 3 mil famílias beneficiárias do programa
fizeram doações a campanhas eleitorais no pleito municipal.
A oposição sem voto já acusa o governo de promover
“cortes” no Bolsa Família como prova de sua intenção de reduzir os
investimentos sociais e, conforme o que está proposto na PEC do Teto de Gastos,
“congelar” gastos na educação e na saúde. É um discurso fácil e mentiroso que
tem, de qualquer modo, apelo emocional. Mas as eleições municipais demonstraram
que os brasileiros estão desiludidos com esse populismo de esquerda campeão na
promessa de “distribuição” da riqueza, mas absolutamente incompetente na tarefa
de criá-la.
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