Síntese do Brasil, o Rio retrata mazelas nacionais que o Congresso quer
preservar
Por Augusto
Nunes, 21/11/2016,
www.veja.com.br
Texto de Dora Kramer publicado no Estadão
Um Estado que em seis anos aumenta em 70% o
contingente de funcionários para, adiante, não ter como lhes pagar os salários
gasta por causa de arrecadação presumida, com sucessivos governos levando um
baile da bandidagem com a qual políticos trocam relações amistosas por votos
nos territórios dominados, onde policial de alta patente confessa a seus pares
que tem medo de chegar à noite ao Aeroporto Tom Jobim e enfrentar o trajeto
pela Linha Vermelha por causa dos tiroteios, francamente o Rio não poderia
estar em situação diferente.
Tido como síntese do Brasil, sede da cidade
(realmente) maravilhosa, o Rio é um retrato dos males que acometem o País desde
Cabral (com trocadilho): corrupção a rodo, inépcia administrativa,
irresponsabilidade nos gastos, insegurança pública, carência de espírito
público e excesso de ganância privada. Nem todos os Estados reúnem todas essas
características, mas raro (inexistente?) aquele onde não esteja presente ao
menos uma delas. Se houver é a famosa exceção que confirma a regra liderada
pela administração federal como vem revelando a tardia, porém bendita, aliança
entre Polícia Federal, Ministério Público e Poder Judiciário.
Uma hora essa coisa iria explodir. O padrão
perverso que atrela o País ao atraso iria estourar. Provoca surpresa a prisão
de dois ex-governadores, Sérgio Cabral e Anthony Garotinho. Surpreendente,
contudo, é que tenham – cada qual o seu setor – pintado e bordado durante tanto
tempo sem serem importunados. Garotinho é velho freguês da Justiça Eleitoral em
decorrência dos métodos para obtenção de votos. Está preso por isso, compra de
votos. Já Cabral, acusado de corrupção e lavagem de dinheiro, dá sinais
exteriores de riqueza incompatível com os ganhos de suas funções desde que era
deputado estadual. Como governador, abusou. De tudo: do excesso de confiança na
“proteção” de Lula e Dilma, do deslumbramento, das relações impróprias com
fornecedores do governo, da desfaçatez.
Abusos que a Lava Jato revela terem sido
corriqueiros e abrangentes desde sempre, embora não tão explícitos como nos
governos do PT e aliados. A lamentar os prejuízos, materializados de maneira
cruelmente contundente no Rio e demonstrados à farta na dilapidação da
Petrobrás. Mas a celebrar o início do desmonte do modelo. Não se trata de
festejar a perda de liberdade de quem quer que seja. Melhor que não houvesse
motivo para tal ou que ocorressem como casos isolados. Evidente que o processo
é sofrido e humilhante para quem é atingido, mas não dá para ser de outra
forma. Até daria, se políticos, empresários, funcionários e quem mais se
envolver em ilegalidades pensassem antes de fazer em uma máxima do óbvio: as conseqüências
vêm depois.
Estão em curso e, por isso, sofrendo ameaça de
serem abatidas em pleno vôo por um Poder Legislativo eivado de suspeições e
localizado na rabeira do ranking de confiabilidade da população nas
instituições brasileiras. Câmara e Senado reagem – cada Casa a seu modo –
contra o avanço das investigações, tentando aprovar leis que restrinjam a
atuação notadamente do Ministério Público, cuja independência foi um dos
principais avanços da Constituição de 1988.
O Congresso está diante de uma escolha: fica do
lado certo ou estaciona do próprio lado e, com isso, se posiciona
contrariamente à vontade da Constituinte que elaborou a Carta atual. Contra a
vontade daquele colegiado que há quase 30 anos estabeleceu um novo marco legal
no Brasil, onde não cabe a impunidade e que finalmente começa a ser posto em
prática.
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