Uma repórter foi hostilizada na
coletiva de Haddad. O prefeito pediu desculpas, mas se trata de um fato grave
Por
Guilherme Fiuza, 17/10/2016,
www.época.com.br
A entrevista coletiva do prefeito de São Paulo para
falar de sua derrota no primeiro turno das eleições municipais honrou as
tradições do Partido dos Trabalhadores: uma repórter da Globo News foi
hostilizada, acuada e obrigada a se retirar do recinto. Com esse ato
revolucionário, os militantes progressistas do PT atingiram dois objetivos ao
mesmo tempo: reforçaram sua poética contra a mídia burguesa e deixaram claro,
pela enésima vez, que notícia boa é notícia a favor – algo um tanto difícil
quando se perde uma eleição.
No dia seguinte, Fernando Haddad (o tal candidato
derrotado) pediu desculpas à repórter. E ficou tudo bem. O Brasil é uma mãe.
Uma mãe especialmente boa para os filhos da...
outra. Aceita que eles vandalizem a casa, basta dizerem depois que foi sem
querer. Quando Dilma (a outra) ganhou a reeleição em 2014, esses rebentos
aloprados fizeram um escarcéu no discurso da vitória. Entre outros cânticos de
guerra, entoaram a palavra de ordem “abaixo a Rede Globo” – que provocou a
seguinte reação da presidente da República: parou seu discurso e fez coro
silencioso ao ataque. Isso depois de condenar a depredação da Editora Abril,
atentado perpetrado por seus simpatizantes. Enquanto o Brasil tolerar essa
malandragem, os progressistas de circo vão continuar espancando a liberdade de
expressão e dizendo que ela é linda.
O mais perfeito retrato da tal democratização dos
meios de comunicação, bandeira cifrada do PT e seus genéricos, é o caso Mídia
Ninja. A aparição desse movimento – e sua difusão durante os protestos de junho
de 2013 – parecia uma boa novidade. Um jornalismo de guerrilha, absolutamente independente,
engajado na missão obstinada de cobrir tudo o que a grande imprensa não
mostrasse. É assim mesmo que se faz democracia – com a pluralidade das vozes
impedindo os monopólios da verdade.
A boa novidade começou a não parecer tão boa quando
alguns grandes veículos começaram a ser acusados – especialmente em São Paulo e
no Rio de Janeiro – de estar distorcendo a cobertura dos protestos em favor da
polícia. Qualquer cobertura jornalística terá suas falhas eventuais, mas havia
um problema mais sério com essa versão espalhada pela Mídia Ninja: ela não era
verdadeira. Não houve e não há nenhum registro de cobertura tendenciosa
pró-polícia pelos principais veículos de comunicação do país em junho de 2013.
Ao contrário, o noticiário até tendeu a superestimar os propósitos dos
manifestantes – atribuindo uma grandiosidade aos atos que eles, percebeu-se
depois, nem sempre tinham.
E passou a surgir outro ingrediente incômodo no
front dos protestos: a mídia que não era ninja começou a ser recebida com
hostilidade nas ruas, freqüentemente cercada e violentamente agredida. Essa
prática boçal se tornou corriqueira e teve, entre seus legados, a morte do
cinegrafista Santiago Andrade, da Band – atingido por um rojão na cabeça.
Os responsáveis pela morte de Santiago irão
finalmente a júri popular. Mas os políticos que os incentivaram e incentivam
seus coleguinhas bestiais estão concorrendo alegremente nas eleições
municipais, com discurso de direitos humanos. E a Mídia Ninja foi contratada
pelo finado (e obsceno) governo Dilma Rousseff.
O episódio da expulsão da repórter Andrea Sadi da
coletiva de Haddad mostra que o Brasil ainda convive bem com a falta de
democracia – desde que o ato autoritário parta do pessoal fantasiado de
esquerda. É a enésima agressão à liberdade de expressão por parte de um grupo
político que já tentou de tudo para transformar a mídia em panfleto particular
– inclusive torrando milhões de reais do contribuinte para sustentar blogs de
aluguel. Quando o governo Temer tenta mostrar as feridas institucionais
deixadas por 13 anos dessas manobras obscuras, surgem vozes na própria grande
imprensa denunciando a contrapropaganda... Só rindo.
O que aconteceu na coletiva de Haddad é muito grave
e tem a ver com a narrativa do golpe. É a defesa de um sistema de crenças em
bandeiras aparentemente belas, que servem a uma prática autoritária de
subsistência política, cultural e moral (sic). São os gigolôs da
bondade. A impressionante tolerância
nacional para com essas figuras explica que Lula, depois de tudo o que fez,
ainda possa andar por aí com cara de coitado.
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