Renan Calheiros é o retrato
perfeito e acabado da grave enfermidade ética e moral que coloca o Parlamento
na contramão de sua missão constitucional de representar os eleitores
Por Augusto
Nunes, 03/12/2016,
www.veja.com.br
Editorial do Estadão
Renan Calheiros virou réu, acusado do crime de
peculato no Supremo Tribunal Federal (STF). É notícia que não surpreende
ninguém, considerando tanto o rico histórico do soba alagoano em investigações
policiais como o fato de que o processo em questão tramita na Suprema Corte há
inacreditáveis nove anos. Esta circunstância insólita, por sua vez, chama a
atenção para outra aberração incrível que é a espantosa morosidade da Justiça
brasileira, problema que, aliás, foi tratado, à margem do julgamento de
quinta-feira passada, com zeloso espírito de corpo, por três ministros, entre
eles a presidente da Corte, Cármen Lúcia.
Sobre Renan Calheiros, o que se pode dizer é que é
o retrato perfeito e acabado da grave enfermidade ética e moral que coloca o
Parlamento brasileiro na contramão de sua missão constitucional de representar
os eleitores – e, no caso do Senado, as unidades da Federação – na discussão e
aprovação de leis e na fiscalização do Poder Executivo. O presidente da Câmara
Alta é hoje um dos exemplos mais óbvios do político que usa seu poder
primordialmente em benefício próprio e de seus cupinchas. Foi o que ficou mais
uma vez demonstrado esta semana com a tentativa frustrada de Calheiros de
aprovar o regime de urgência para a tramitação do projeto anticorrupção que
menos de 24 horas antes havia sido aprovado pela Câmara dos Deputados.
O presidente do Senado, agora réu no STF, é
indiciado em outros 11 processos que tramitam naquela Corte, a maior parte
deles ligada à Operação Lava Jato. Mas muito antes de a polícia, o Ministério
Público e a Magistratura federal se terem articulado, há pouco mais de dois
anos e meio, para operar a ampla faxina no aparelho estatal dominado pela
corrupção elevada à condição de método político pelo lulopetismo, Renan Calheiros
já se exercitava alegremente na prática de iniciativas ética e moralmente
questionáveis. Tanto que as mesmas investigações que resultaram, finalmente, em
sua transformação em réu, obrigaram-no, em 2007, a renunciar à mesma
presidência do Senado que hoje ocupa, como resultado de um acordo que lhe
salvou o mandato.
Só mesmo uma grave doença moral poderia explicar
que o Senado elegesse para presidir os seus trabalhos uma figura como Renan
Calheiros, depois de tudo o que ocorreu em 2007.
A impunidade de maus homens públicos, que no mais
das vezes nem chegam a ser levados à barra dos tribunais, tem forte aliado numa
das maiores deficiências institucionais do País, a aparentemente insanável
morosidade da Justiça. Essa morosidade, além de ser inestimável aliada de
criminosos de colarinho branco, prejudica a população em geral que, ao
contrário dos espertalhões bem situados, geralmente têm pressa em ver suas
pendências judiciais dirimidas.
Renan Calheiros tornou-se réu sob a acusação de ter
desviado recursos do Senado para ressarcir uma empreiteira que teria pagado a
pensão de uma filha que tem fora do casamento. No julgamento, a questão da
morosidade da Justiça acabou vindo à baila. O ministro Teori Zavascki, relator
da Lava Jato no STF, explicou que praticamente a totalidade da centena de
processos que estão sob sua responsabilidade não se encontra em seu gabinete,
mas nas mãos de policiais e procuradores envolvidos nas respectivas
investigações de campo. O ministro estaria, assim, apenas esperando a conclusão
das investigações para se manifestar sobre o prosseguimento ou não dos
respectivos processos.
É claro que a necessidade do aprofundamento de
investigações pode resultar em demora na conclusão de processos criminais. Isso
no âmbito de mais alta instância, que é o STF. Imagine-se a que passo andam
investigações que não são presididas por integrantes da cúpula da Justiça. Mas,
se o Supremo não consegue administrar com eficácia o gravíssimo problema da
morosidade, tomando a iniciativa de propor e executar medidas para pelo menos
minimizar o problema, quem é que terá condições de fazê-lo? Transferir
responsabilidades não é o melhor caminho.
Nenhum comentário:
Postar um comentário