A até recentemente bem-sucedida
trajetória política do ex-presidente foi alavancada pelo marketing. E é com o
marketing que ele pretende sair da grossa enrascada em que se meteu
Por Augusto
Nunes, 20/10/2016,
www.veja.com.br
Editorial do Estadão
O herói faz agora o papel de vítima e é assim que
doravante se apresentará na grande encenação para o público, daqui e do
exterior, na qual o pérfido antagonista é a Justiça brasileira. Réu até agora
em três processos que resultaram de investigações sobre corrupção – e na falta
de sólidos argumentos de defesa –, Lula da Silva está armando um espetáculo
circense para mostrar aos desavisados que o Mal cooptou a Justiça, que se
empenha na missão abjeta de condenar um inocente, o homem “mais honesto do
Brasil”, punindo-o pelo crime de governar para os pobres.
A politização dos processos judiciais em que Lula
está envolvido como réu ou apenas investigado faz parte da estratégia concebida
pelo lulopetismo, com a assessoria de uma chusma de advogados, para desviar a
atenção da opinião pública das fortes evidências de envolvimento do
ex-presidente da República e sua família numa série de episódios suspeitos nos
quais se teriam beneficiado de tráfico de influência, de recebimento de
vantagens materiais e financeiras indevidas ou pura e simplesmente de propina.
Essa estratégia envolve também a tentativa de envolvimento dos brasileiros que
ainda apóiam o ex-presidente num clima emocional alimentado por fantasiosas
notícias sobre a iminente prisão de Lula. Na última segunda-feira, por exemplo,
algumas dezenas de pessoas, munidas de farto material de propaganda impresso,
postaram-se diante do apartamento de Lula em São Bernardo para uma “vigília
cívica” contra a “ameaça iminente” da prisão do ex-presidente.
No dia seguinte, a Folha de S.Paulo publicou
artigo assinado por Lula com o sugestivo título Por que querem me condenar.
Começa por afirmar que, desde que ingressou na vida pública sua vida pessoal
foi “permanentemente vasculhada”, mas “jamais encontraram um ato desonesto de
minha parte”. Acrescenta: “Não posso me calar, porém, diante dos abusos
cometidos por agentes do Estado que usam a lei como instrumento de perseguição
política”. E explica: “Não é o Lula que pretendem condenar: é o projeto
político que represento junto com milhões de brasileiros”. E conclui,
dramaticamente: “O que me preocupa, e a todos os democratas, são as contínuas
violações ao Estado de Direito”.
Os advogados de Lula, que tentaram em vão, várias
vezes, contestar a autoridade e isenção dos magistrados responsáveis por
processo em que o ex-presidente está envolvido, voltaram à carga interpelando o
desembargador Gebran Neto, do Tribunal Regional Federal da 4.ª Região, relator
dos recursos da Lava Jato, a quem acusam de ter “amizade íntima” com o juiz
Sergio Moro. Segundo o ex-ministro Gilberto Carvalho, fiel escudeiro de Lula,
essa nova iniciativa obedece “à ordem de não ficar calado”, num processo
permanente de “questionamento” de tudo o que já foi ou vier a ser levantado
contra Lula.
A até recentemente bem-sucedida trajetória política
de Lula foi alavancada pelo marketing. E é com o marketing que ele pretende
sair da grossa enrascada em que se meteu. Sem ter elementos concretos e
convincentes de defesa, apresenta-se como vítima dos “inimigos do povo”.
Os acontecimentos desta semana revelam, portanto,
que se pode esperar daqui para frente à intensificação e maior contundência da contra-ofensiva
lulista nas áreas judicial e popular. Pode até haver quem entenda que a prisão
de Lula poderia favorecer a “causa”, na medida em que criaria uma “enorme
comoção nacional” manipulável em benefício dos “interesses populares”. Quem
conhece bem o ex-presidente sabe que esse tipo de sacrifício jamais lhe
passaria pela cabeça. É claro, portanto, que a estratégia lulista contempla
também a necessidade de manter formadores de opinião e detentores do poder
considerados confiáveis no exterior providos de argumentos políticos que sejam
úteis para a eventualidade de que se torne premente a necessidade de preservar
a liberdade de Lula. Ou seja, condenado aqui, procuraria refúgio em regime
amigo, apresentando-se, assim, como exilado político.
O homem está disposto a pagar qualquer preço por
todas essas precauções. Inclusive o de tentar desmoralizar a Justiça e de
apresentar o Brasil, aos olhos da opinião pública mundial, como uma reles
ditadura. Mas esse ato de desespero lhe será cobrado pela consciência cívica do
País.
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