O teto de gasto público virou
parte da Constituição por pelo menos dez anos. É uma medida radical – e também
adequada para uma economia em situação crítica
Época,
21/12/2016,
O BARULHO DO ATRASO
Vândalos atacam o prédio da Federação das Indústrias de São Paulo, em protesto contra a PEC do teto. Haverá oposição irresponsável às reformas necessárias
Nossa
opinião
O governo de Michel Temer se arrasta pelo pântano da crise política semana
após semana. As delações de executivos da Odebrecht, além de citarem o nome do
próprio mandatário, culminaram num pedido de demissão do assessor especial e amigo de longa data José
Yunes. Em meio
à tempestade política, o Congresso deu aprovação final à Proposta de Emenda à
Constituição (PEC) que estabelece um teto para os gastos públicos por 20 anos,
podendo ser reavaliada em dez. Na quinta-feira, ela foi promulgada. Trata-se de
uma notícia digna de celebração, do tipo que tem sido bem rara ultimamente.
A emenda estabelece a inflação do ano anterior como
limite para a ampliação das despesas públicas federais. É o primeiro pilar do
projeto de ajuste das contas públicas do governo federal, absolutamente
indispensável para pavimentar a recuperação econômica do país. O segundo será a
reforma da Previdência. Se for respeitada, a emenda dará previsibilidade ao
gasto público. Assim, abrirá espaço para a queda de juros, a estabilização da
dívida pública, o ganho de qualidade no debate sobre orçamento e a recuperação
da confiança de investidores e consumidores. Sem um freio nos gastos, o país
continuaria numa trajetória rumo ao abismo. No cenário pessimista, a dívida
pública do Brasil poderia alcançar 100% do Produto Interno Bruto por volta de
2020, segundo o economista Felipe Salto, especialista em contas públicas.
Trata-se de um nível de dívida administrável por uma economia como a do Japão,
mas potencialmente devastador para um país em desenvolvimento como o Brasil.
Os verdadeiros interessados em protestar nas ruas
por justiça social encontrarão no país uma abundância de alvos – entre eles,
congressistas que proponham projetos para facilitar a vida de corruptos e
associações de funcionários públicos que defendam seus supersalários e
superbenefícios, em prejuízo da coletividade. Por enquanto, alguns grupos com
disposição para protestos (e para ouvir interesses corporativistas)
preferiram lutar pelo atraso e mirar sua revolta só contra o teto de gastos.
Apelidaram a medida de “PEC da morte” e divulgam que ela cortará verba de saúde
e educação. É um resumo mal informado ou mal-intencionado. A emenda exige que o
gasto nessas duas áreas avance, no mínimo, junto com a inflação. E não impede o
aumento de gasto público nessas áreas, desde que o governo indique de onde vai
remanejar a despesa. Os gestores públicos e legisladores terão de fazer
escolhas difíceis, limitadas pela realidade que vinham evitando: a expansão
contínua do gasto se fazia com endividamento descontrolado do governo, o que
destrói emprego e renda de famílias no presente e ameaça o bem-estar de
gerações vindouras de brasileiros. O ajuste em curso terá melhor qualidade se a
oposição se engajar no debate de forma mais propositiva e menos apegada a
slogans. Isso ainda não ocorreu.
Aprovada a PEC, governantes e legisladores nas três
esferas têm de continuar a agir. Os ocupantes do poder não contam, neste
momento, com a paciência nem com a confiança do cidadão. Décadas de corrupção e
descaso com a coisa pública nos trouxeram ao atual momento – de crise econômica
e política. Sair dela exigirá dos políticos transparência e disposição para
enfrentar grupos de interesse contrários às mudanças necessárias.
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