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segunda-feira, 26 de dezembro de 2016

O confronto que não se deve evitar



O teto de gasto público virou parte da Constituição por pelo menos dez anos. É uma medida radical – e também adequada para uma economia em situação crítica

Época, 21/12/2016,
www.época.com.br


O BARULHO DO ATRASO

Vândalos atacam o prédio da Federação das Indústrias de São Paulo, em protesto contra a PEC do teto. Haverá oposição irresponsável às reformas necessárias


Nossa opinião

O governo de Michel Temer se arrasta pelo pântano da crise política semana após semana. As delações de executivos da Odebrecht, além de citarem o nome do próprio mandatário, culminaram num pedido de demissão do assessor especial e amigo de longa data José Yunes. Em meio à tempestade política, o Congresso deu aprovação final à Proposta de Emenda à Constituição (PEC) que estabelece um teto para os gastos públicos por 20 anos, podendo ser reavaliada em dez. Na quinta-feira, ela foi promulgada. Trata-se de uma notícia digna de celebração, do tipo que tem sido bem rara ultimamente.

A emenda estabelece a inflação do ano anterior como limite para a ampliação das despesas públicas federais. É o primeiro pilar do projeto de ajuste das contas públicas do governo federal, absolutamente indispensável para pavimentar a recuperação econômica do país. O segundo será a reforma da Previdência. Se for respeitada, a emenda dará previsibilidade ao gasto público. Assim, abrirá espaço para a queda de juros, a estabilização da dívida pública, o ganho de qualidade no debate sobre orçamento e a recuperação da confiança de investidores e consumidores. Sem um freio nos gastos, o país continuaria numa trajetória rumo ao abismo. No cenário pessimista, a dívida pública do Brasil poderia alcançar 100% do Produto Interno Bruto por volta de 2020, segundo o economista Felipe Salto, especialista em contas públicas. Trata-se de um nível de dívida administrável por uma economia como a do Japão, mas potencialmente devastador para um país em desenvolvimento como o Brasil.

Os verdadeiros interessados em protestar nas ruas por justiça social encontrarão no país uma abundância de alvos – entre eles, congressistas que proponham projetos para facilitar a vida de corruptos e associações de funcionários públicos que defendam seus supersalários e superbenefícios, em prejuízo da coletividade. Por enquanto, alguns grupos com disposição para  protestos (e para ouvir interesses corporativistas) preferiram lutar pelo atraso e mirar sua revolta só contra o teto de gastos. Apelidaram a medida de “PEC da morte” e divulgam que ela cortará verba de saúde e educação. É um resumo mal informado ou mal-intencionado. A emenda exige que o gasto nessas duas áreas avance, no mínimo, junto com a inflação. E não impede o aumento de gasto público nessas áreas, desde que o governo indique de onde vai remanejar a despesa. Os gestores públicos e legisladores terão de fazer escolhas difíceis, limitadas pela realidade que vinham evitando: a expansão contínua do gasto se fazia com endividamento descontrolado do governo, o que destrói emprego e renda de famílias no presente e ameaça o bem-estar de gerações vindouras de brasileiros. O ajuste em curso terá melhor qualidade se a oposição se engajar no debate de forma mais propositiva e menos apegada a slogans. Isso ainda não ocorreu.

Aprovada a PEC, governantes e legisladores nas três esferas têm de continuar a agir. Os ocupantes do poder não contam, neste momento, com a paciência nem com a confiança do cidadão. Décadas de corrupção e descaso com a coisa pública nos trouxeram ao atual momento – de crise econômica e política. Sair dela exigirá dos políticos transparência e disposição para enfrentar grupos de interesse contrários às mudanças necessárias.

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