O país ainda tolera o coro dos
hipócritas que acusam os investigadores de fascismo
Por
Guilherme Fiuza, 28/10/2016,
www.época.com.br
O Brasil chocou o ovo da serpente (ou da jararaca)
durante décadas. O filhote, enfim, nasceu forte e esfomeado e devorou a
economia popular. Os brasileiros demoraram a admitir o estrago que seu monstrinho de estimação estava lhe
causando, e, quando isso finalmente se tornou inevitável, veio a reação: o país
encarou a cobra venenosa, disse “ai, ai,
ai” e a colocou de castigo. Acredita que assim ela vai passar a se
comportar direitinho.
A literatura antiofídica da Lava Jato indica que em
2005, exatamente quando Lula pedia perdão aos brasileiros pelo mensalão, o mesmo Lula tratava da
compra escandalosa da refinaria de Pasadena.
É compreensível. Gente boa só consegue se arrepender de um roubo de cada vez. E
eis que 11 anos depois, preso e condenado pelo petrolão, José Dirceu é perdoado pelo mensalão. O Supremo Tribunal
Federal (STF) foi firme em sua decisão contra o quadrilheiro petista: “Ai, ai, ai, não faça mais isso”.
Quadrilheiro, não. O mesmo ministro do Supremo que
acaba de perdoar o companheiro
Dirceu, Luís Roberto Barroso, fez sua estréia espetacular na Corte máxima
decretando que a quadrilha do mensalão
não era uma quadrilha. Ou seja: Dirceu, Delúbio, Valério e companhia, que
agiram sistematicamente em conluio para
fraudar os cofres públicos e
enriquecer o PT, utilizando métodos, álibis e laranjas comuns por vários anos,
não formavam uma quadrilha. Quadrilha é
aquilo que baila em volta da fogueira nas festas juninas.
Foi também o mesmo companheiro Barroso quem operou
o rito do impeachment da companheira presidenta, usando sua mira laser do
Supremo para mostrar ao Congresso o que ele tinha de fazer. Assim prevaleceu a
formação da comissão especial como o PT queria o que infelizmente não adiantou
nada, porque as instituições brasileiras começaram a ficar com vergonha de proteger governo bandido –
e tanto o Legislativo quanto o Judiciário referendaram a legitimidade do
impeachment.
Aí uma turma ficou gritando contra o golpe – os
mesmos de sempre, que se escondem na mística progressista para viver de
símbolos retrógrados. Perdoar a
quadrilha é uma ótima forma de continuar chocando os ovos das serpentes
simpáticas e revolucionárias.
Então, já que é para chocar, vamos chocar: enquanto
era julgado pelo mensalão, Dirceu, o perdoado,
cometia os crimes do petrolão;
posteriormente, já tendo sido preso por esses
novos crimes, as investigações da Lava
Jato mostraram que as propinas do esquema engendrado por ele continuavam jorrando nas contas dos guerreiros do
povo brasileiro. É mesmo de morrer de pena.
O perdão concedido pelo STF a José Dirceu está em
perfeita consonância com a moral vigente
no país, ou pelo menos com a moral
dominante. O Brasil perdoou Lula quando ele pediu para ser perdoado, em
2005, e no ano seguinte lhe deu a reeleição – com as revelações do mensalão
estalando nas manchetes. Comiseração
é isso aí, o resto é brincadeira. Lula entendeu muito bem o recado da nação e
pisou fundo. O Brasil é sócio do que se passou nos dez anos seguintes – e
continua, na prática, perdoando Lula.
O ex-presidente acaba de se tornar réu pela terceira
vez. Agora é por tráfico de influência internacional em favor da Odebrecht,
usando o BNDES e irrigando a conta
de um sobrinho. Quando esta mesma revista ÉPOCA revelou a referida investigação
contra Lula, foi xingada por ele em praça pública. Ou seja: o filho do Brasil faz o que faz e continua livre para atacar gravemente a imprensa e subir em palanques para perpetuar
seu grupo político no seio do Estado brasileiro. E o país ainda tolera o coro dos hipócritas que acusam os investigadores de fascismo. Essa
tolerância é pior do que o pior dos crimes do PT.
É claro que os reis da mistificação vão dizer que a
frase acima é uma pregação da intolerância, portanto do autoritarismo, portanto
da força bruta contra os democratas, etc. etc. Eles são bons nisso. Quando
milhões de pessoas saíram às ruas de verde e amarelo pelo impeachment, essa
inteligência de João Santana espalhou que era um absurdo protestar contra a
corrupção com a camisa da CBF... Um covarde é capaz de qualquer coisa.
E um país que confunde intolerância
com impunidade é capaz de aceitar o perdão mais hediondo. À solta, a serpente
agradece.
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