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sexta-feira, 9 de dezembro de 2016

O Rio de Janeiro continua sendo… e o Brasil também!



Mesmo na cadeia, Sérgio Cabral continua sendo mais igual do que os demais cidadãos

Por Augusto Nunes, 22/11/2016,
 www.veja.com.br

Texto de José Nêumanne publicado no Estadão

O ex-governador do Rio de Janeiro Sérgio Cabral começou na política como deputado estadual, implacável perseguidor de corruptos e corruptores. Perseguido pelos desiludidos de 2013, que invadiram a calçada de seu refúgio no Leblon, renunciou em 2014, não se candidatou a nenhum mandato público e terminou perdendo sua prerrogativa de foro. Alcançado pelas afiadas garras da Lava Jato, foi preso sob a acusação de ter surrupiado dos cofres públicos R$ 224 milhões. Uma fortuna, hein?

Os investigadores da Operação Calicute, cidade da Índia onde outro Cabral, Pedro Álvares, descobridor do Brasil, conheceu a derrota e teve iniciada a decadência, acreditam que ele operou um “banco paralelo” à sombra de uma empresa transportadora de valores para receber, guardar e distribuir dinheiro vivo para a mulher, Adriana Ancelmo, e a mãe, Magali. E mais uma penca de gatunos amestrados, todos mimoseados com jóias, cargos públicos e porcentagens em obras contratadas pelo Estado e outras benesses. Descoberto, localizado e preso, foi fichado e trancafiado numa cela em Bangu. Ainda assim, goza de privilégio inestimável: seus cinco companheiros de cela não são bandidos comuns, que poderiam machucá-lo, mas cúmplices de suas aventuras folgazãs e de suas atuais desventuras.

A forma como lavou dinheiro sujo se assemelha ao dito Departamento de Operações Estruturadas de sua parceira Odebrecht, um sofisticado data Center na Suíça. E também reproduz a tecnologia de entesouramento e investimento de uma prática ancestral no Estado que governou. Os bicheiros de antigamente, praticantes do “vale o escrito”, também driblavam os controles fiscais, abrigados sob a definição penal da contravenção, ou seja, quase crime. E freqüentavam a fina flor da high society carioca nos melhores salões e, sobretudo, no Sambódromo, dirigindo escolas de samba, coloridas e cultuadas lavanderias de valores. Agora como dantes no quartel de Abrantes, apontadores da loteria popular de Saenz Peña, nome de praça na cidade ex-Maravilhosa, continuam entregando o “prêmio do delegado” e convivendo com crocodilos em piscinas. O furto político era até pouco menos arriscado, mas deixou de ser.

Anthony Garotinho, ex-governador lançado na política pelo socialista moreno Leonel Brizola e guia de Cabral em sua ascensão aos cargos de mando no Estado mais charmoso do País, foi pilhado em delito mais antigo do que os pontos de bicho e as bocas de fumo de antanho. Comprar votos foi a forma que a elite dirigente nacional encontrou para compensar a extinção da eleição de bico de pena da Primeira República dos coronéis da guarda nacional. Ao soba de Campos dos Goytacazes repugna a mania de ostentação de seu antigo discípulo. Distribuindo “chequinhos” a necessitados, garantiu a permanência do clã na prefeitura municipal local, a eleição de 11 vereadores e o ingresso de Clarissa, amada filhota dele e da prefeita Rosinha, na Câmara dos Deputados. Obediente ao conselho paterno de ajudar a ex-presidente Dilma Rousseff a ficar no cargo máximo, ela alegou resguardo de maternidade recente para não votar pela abertura do processo de impeachment da madama pela Câmara e seu envio ao Senado. A filha obediente pagou pelo desrespeito ao fechamento de questão do PR, legenda pela qual se elegeu, sendo expulsa pela ausência, que valeu como voto contra o impeachment da deposta, vulgo Janete.

Como na República de Pilatos dos velhos tempos, “uma mão lava a outra” e a mesma água de enxaguar propinas evitou a sofrência de “meu pai não é bandido”, por ela berrado à porta do Hospital Souza Aguiar, no complexo presidiário povoado por feras enlouquecidas de vingança. Afinal, quando Rosinha foi governadora, ele não chegou a ser secretário de Segurança Pública? Como aquele agente funerário que foi chamado para maquiar o filho de dom Corleone no Poderoso Chefão, haveria alguém a quem pedir socorro. Ocorreu-lhe, então, instruir seus advogados Jonas Lopes de Carvalho Neto e Fernando Fernandes a procurarem a mais jovem ministra do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), com a qual já mantivera contato, Luciana Lóssio. Nomeada pela presidenta afinal deposta, ela poderia evitar humilhação similar à do ex-afilhado e ora desafeto Cabral. As fotos tiradas à entrada deste no presídio para a ficha criminal foram exibidas nos meios de comunicação com estardalhaço idêntico ao dispensado àqueles flagrantes da festa dos guardanapos na cabeça em restaurante de alto luxo em Paris, que Garotinho divulgou em seu blog.

A pressurosa ministra não permitiu que o pai da compreensiva parlamentar passasse sequer uma noite na companhia cruel de antigos desafetos, mais perigosos do que os cinco grã-finos e o colega ex-governador. Dra. Lóssio fora antes advogada de Roseana Sarney, quando esta, derrotada nas urnas pelo adversário Jackson Lago, retomou o posto de governadora do Maranhão, direito do clã inaugurado pelo pai ainda no tempo em que a lei eleitoral dava ao vencido na eleição o cargo que o adversário o houvesse derrotado de maneira ilícita.

Militante petista investida em mandato inviolável, a caridosa magistrada pouco se importou com a divulgação das instruções do réu em questão a seus causídicos, como divulgada fora simultaneamente a investigação aberta pelo Ministério Público Eleitoral sobre denúncia de tentativa de suborno do juiz pelo acusado. O cargo da jovem senhora é vitalício e conta com a proteção automática dos pares. O nobre colegiado apressou-se a soltar uma nota garantindo que todos os seus ministros têm “idoneidade moral” e que as decisões refletem “profundo embasamento teórico”, antes mesmo que qualquer desavisado duvidasse publicamente desses atributos.

Antes de ser solto pela decisão da misericordiosa ministra amiga, o ex-governador protagonizou esperneio registrado por câmeras, ao som da gritaria histérica da mulher e da filha captada por microfones dos meios de comunicação. Piedosos garantistas de quatro costados reclamaram da humilhação imposta ao insigne acusado. Esqueceram-se de que o episódio motivou decisão histórica da jurisconsulta Lóssio. Graças a sua canetada, a piada do “jus sperniandi” (em latim vulgar, direito de espernear) tornou-se jurisprudência na Justiça Eleitoral tupiniquim.

A cena inusitada, a decisão piedosa e o flagrante pornográfico do investimento imobiliário do secretário de governo de Temer (ex-vice da presidenta deposta), ferindo o decoro da paisagem de Salvador, sob a omissão licenciosa do temeroso chefão, ampliam o alcance de constatação de Gilberto Gil. Este outro baiano cantou: “O Rio de Janeiro continua sendo”.

Pelo visto, o Brasil também reproduz a constatação final de George Orwell em A Revolução dos Bichos: “Todos são iguais perante a lei, mas alguns são mais iguais do que os outros”. Quem quer um exemplo? A Comissão de Ética Pública da Presidência começou a votar a decisão se abrirá, ou não, inquérito contra Geddel Vieira Lima, o excelentíssimo padroeiro do espigão: cinco dos sete votos foram a favor e o sexto, José Saraiva, pediu vista para impedir o vexame. Ganhará um docinho de caju de dona Carminha Dantas quem adivinhar quem o indicou para a oportuna sinecura. Pois foi mesmo o fiel escudeiro de Temer – um que é apelidado de Boca de Jacaré nas proximidades da Terreiro de Jesus. Deus nos acolha e guarde, irmãos sem opa, abandonados neste bordel em cuja parede um quadro de Cristo a tudo assiste e nada fala nem faz para impor a ordem.

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