Avise à torre que o senhor não tem mais condições de pilotar nada, muito
menos votação no meio da noite
Por Ruth de
Aquino, 02/12/2016,
www.época.com.br
Se o combustível de um presidente do Senado for à
credibilidade. Se a autonomia de um presidente do Senado depender de sua
lisura. Se um presidente do Senado, na linha sucessória da Presidência da
República, se tornar réu do Supremo Tribunal Federal por peculato (traduzindo:
desvio de verba pública para uso pessoal)... A emergência estará
configurada.
Renan Calheiros, avise à torre que o senhor não tem
mais condições de pilotar nada, muito menos votação contrabandeada no meio da
noite sujeita a trovoadas. Não finja ser pane elétrica, não culpe o Judiciário,
diga logo que é pane seca e que lhe falta o combustível da credibilidade.
Ninguém acredita quando o senhor elogia a Lava Jato e condena a
corrupção.
Admita que calculou mal os riscos e que, de tanto
desafiar as regras e a sensatez, de tanto se sentir protegido pela máquina do
PMDB, acima das nuvens, de tanto agir no limite da paciência da sociedade,
acabou vitimado pelo sentimento de onipotência, talvez herdado de seu padrinho
José Sarney.
Faça como fez há nove anos, quando renunciou à
presidência da mesma Casa para não ser cassado, ao ser acusado de pagar a
pensão de sua filha extraconjugal com dinheiro de empreiteira. Voltou depois,
com a bênção de todos, Sarney e Lula e seus companheiros. Sempre com aquele
risinho. Renan responde a mais 11 processos no STF, oito deles da Lava Jato. Ou
Renan é culpado ou é o político mais perseguido da história do Brasil.
O rabo preso gigantesco de Brasília explica a
cumplicidade, no Senado, de figuras como Fernando Collor e Lindbergh Farias.
Eles estavam entre os 14 senadores que apoiaram Renan na pressa de votar o
projeto da Câmara, que desfigurou as dez medidas anticorrupção de iniciativa
popular. Renan nem queria votação nominal, só voto simbólico. Sua manobra foi
desmascarada a tempo. A maioria no Senado percebeu que o plano de vôo de Renan
era irresponsável. Renan descobriu que não tinha autonomia.
Na Câmara, o rabo preso aliou Pedro Paulo a Jandira
Feghali e Indio da Costa contra o pacote original anticorrupção. O PT de Lula e
Dilma e o PRB de Crivella também se aliaram contra o pacote anticorrupção e a
favor de enquadrar o Judiciário. Jair Bolsonaro e Jean Wyllys – que sempre
viveram aos cuspes e berros – se uniram a favor das medidas anticorrupção, mas
foram derrotados.
Há um claro conluio político, liderado por
investigados na Lava Jato, para melar investigações de propina, caixa dois e
corrupção. Sob o pretexto de coibir abusos de autoridade – que devem mesmo ser
refreados para evitar o “espetáculo” e o desrespeito a direitos dos delatados
–, o Congresso ameaça uma operação que mudou o Brasil para sempre.
Antes do juiz Sergio Moro e a equipe de Curitiba,
sabíamos dos desvios de dinheiro público, mas não se imaginava o grau, ou o
valor. Não se imaginava a amplitude das quadrilhas no Poder. Os métodos, os
laranjas, os superfaturamentos, as jóias da Coroa e a total impunidade de quem
dilapidava obras de infra-estrutura e serviços essenciais. Além dos roubos,
terão de ser atacados com urgência os privilégios, as mordomias, os
supersalários na casta política. Mas já é um começo de moralização do serviço
público.
Renan, em evento da Ordem dos Advogados do Brasil
(OAB), afirmou que o sistema político brasileiro está “falido e fedido”. Não
percebe que estão colando nele a pecha de cinismo? Sua eloqüência contra o
presidencialismo não comoveu. O presidente da OAB, Claudio Lamachia, defendeu o
afastamento imediato de Renan. Não como admissão de culpa, mas para não
comprometer os trabalhos do Senado, enquanto for réu no STF.
Por que esse açodamento do Congresso, em dezembro,
perto do Natal e de mais um recesso de verão? Dá para entender o “timing”. Vem
aí a mãe de todas as delações. A maior empreiteira do país, a Odebrecht,
envolvendo 75 executivos e ex-dirigentes, deve citar 200 políticos. Pai e
filho, Emilio e Marcelo Odebrecht assinaram a delação premiada, prometeram
pagar multa de R$ 6,8 bilhões e pediram desculpas por “práticas impróprias”. É
com esperança, não com ceticismo, que leio o comunicado histórico da Odebrecht.
“Não importa se cedemos a pressões externas. (...)
Fomos coniventes com tais práticas. (...) Foi um grande erro, uma violação dos
nossos próprios princípios, uma agressão a valores consagrados de honestidade e
ética.” E por aí vai. Leiam. As dez medidas de compromisso com o futuro da
Odebrecht são exemplares. No topo da lista: “Combater e não tolerar a corrupção
em quaisquer de suas formas, inclusive extorsão e suborno”.
Quando leremos desculpas e compromissos de nossos
políticos? Se o Brasil está em pane seca, com milhões de pessoas devolvidas à pobreza,
é por ganância e incompetência de seus governantes.
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