Testemunhas de acusação em
processo contra ex-presidente foram unânimes em apontar a existência de um
azeitado esquema criminoso; Delcídio reiterou a onisciência de Lula, mas todas
disseram ignorar se ele é mesmo o dono do triplex do Guarujá
Por Reinaldo
Azevedo, 22/11/2016,
www.veja.com.br
Como é sabido, uma das perguntas que as
pessoas mais se fazem, antipetistas ou petistas, é esta: “Quando Lula será
preso?”. Um grupo torce para que seja logo; outro, para que seja nunca. Ser o
chefão do PT preso preventivamente ou não depende só da ação do Ministério
Público Federal e dos juízes Sergio Moro, da 13ª Vara Federal de Curitiba, e
Vallisney Oliveira, da 10ª Vara Federal de Brasília, onde o ex-presidente é réu
duas vezes. Se e quando o MP entender que há motivos, creio que apresentará a
solicitação a uma das duas varas, e um dos dois juízes vai alegrar um grupo e
frustrar o outro. E por que o MPF não pediu até agora?
Em vez de exercícios divinatórios, que
tal a gente tentar ler e ouvir o que anda na Justiça?
Vem muito debate-boca por aí… Aliás,
ele já começou a ressoar nesta segunda, no primeiro dia de depoimento das testemunhas
de acusação na ação de que Lula é réu em Curitiba: é aquela que apura se ele
foi beneficiado por vantagens indevidas no tal triplex de Guarujá. Segundo
denúncia do Ministério Público Federal, aceita por Moro, o petista teria
recebido R$ 3,7 milhões da empreiteira OAS na forma da aquisição do
apartamento, na sua reforma e decoração e no armazenamento de parte de seu
acervo pessoal. O ex-presidente é acusado de corrupção passiva e lavagem de
dinheiro.
Os advogados de defesa e Moro chegaram
a trocar palavras ríspidas. Falaram como testemunhas da acusação, nesta
segunda, o ex-senador Delcídio do Amaral; Eduardo Leite e Dalton Avancini,
ex-diretores da Camargo Corrêa, e Augusto Mendonça, do grupo Setal. Todos eles
são delatores. Ruim para o PT: todos foram unânimes em apontar a existência de
um azeitado e gigantesco esquema de propina, que tinha partidos e políticos
como beneficiários — e, obviamente, no centro do teatro de operações, estava o
PT, de que Lula sempre foi o chefe máximo. Delcídio foi o mais eloqüente em
afirmar que o ex-presidente sempre soube de tudo.
Bom para Lula: todos também foram
unânimes em afirmar que desconheciam se o tal triplex foi adquirido por ele ou
foi reformado com dinheiro de propina. Para lembrar: o apartamento de Guarujá está
em nome da OAS. O MPF diz que o conjunto de circunstâncias aponta que o imóvel
pertence a Lula e que o fato de a empreiteira aparecer como dona é uma
evidência justamente da lavagem de ativos. Os ouvidos também disseram jamais
ter tratado pessoalmente de propina com Lula.
Os advogados do ex-presidente
aproveitaram o fato de que as testemunhas disseram nada saber do apartamento e
emitiram uma nota em que se lê:
“Como era esperado, os quatro delatores
arrolados pelo Ministério Público Federal para depor em audiência realizada
nesta data (21/11) na 13ª Vara Federal Criminal de Curitiba não apresentaram
qualquer elemento que confirme a tese acusatória relativa à propriedade de um
apartamento tripés, no Guarujá, pelo ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva e
sua esposa, Marisa Letícia. Tampouco afirmaram a participação do ex-Presidente
em qualquer ilícito na Petrobrás. O ex-senador Delcídio do Amaral, um dos
delatores ouvidos, disse nada saber sobre essa acusação do triplex,
limitando-se a repetir suas já conhecidas afirmações vagas e sem provas. Há
muito Delcídio vem falando que Lula desta vez “não escapa”. Essa obsessão por
incriminar o ex-Presidente, mesmo sabendo de sua inocência, foi hoje mais uma
vez comprovada. Delcídio foi incapaz de apontar um fato ou conversa concreta em
relação a Lula.”
Nesta quarta e na sexta, estão
previstos os depoimentos de três outros delatores — os ex-diretores da
Petrobras Paulo Roberto Costa e Nestor Cerveró e o ex-deputado Pedro Corrêa — e
do pecuarista e amigo de Lula José Carlos Bumlai.
Irritação
Moro acabou se irritando com o que
considerou excesso de questões de ordem propostas pela defesa, que tentou
impedir a linha de argumentação do MPF segundo a qual Lula só poderia ser
beneficiário dos escândalos da Petrobras uma vez que a ele cabia, em última
instância, decidir quem seria e quem não seria nomeado para a estatal. Moro
chegou a pedir ao MPF que corrigisse algumas questões, mas acabou acusando os
defensores do ex-presidente de “tumultuar a audiência”. Segundo o juiz, tal
linha de argumentação servia para dar o contexto do caso. O advogado Juarez
Cirino reagiu: “Mas qual é o contexto? Só existe na cabeça de vossa excelência.
O contexto, para nós, é a denúncia”.
Entenda o embate jurídico
Notem: assim como os que depuseram nesta
segunda, também as outras testemunhas arroladas pelo MPF dirão que nada sabem
sobre Lula ser ou não dono do triplex — até porque, reitere-se, o apartamento
não está em seu nome. Podem apostar nisso. Qual é a lógica da acusação? Arrolar
testemunhas que indiquem que o petista sempre esteve no controle de tudo. Se
isso é verdade e se sobram evidências da proximidade de Lula e sua família com
o apartamento, então se provaria, pelo conjunto da obra, que o imóvel, a
reforma e a transferência do acervo fizeram parte das vantagens indevidas
recebidas pelo ex-presidente.
Quem vai tomar a decisão? Sergio Moro.
Importante: os testemunhos são apenas um dos elementos do processo. Há outros
dados que ele pode considerar probatórios. Se achar que o conjunto prova a acusação
do MPF, vai condenar Lula. “Aí ele vai preso, né?” Depende da sentença. E
caberá recurso. Segundo decisão recente do Supremo, o cumprimento da pena de
prisão já pode se dar a partir da condenação na segunda instância, não na
primeira.
“Mas será que existe a chance de Moro
absolver Lula, Reinaldo?” Bem, chance sempre existe. Afinal, ele é um juiz. Não
um juiz de condenação. Isso não existe. Mas nem o mais otimista dos petistas
acredita nisso.
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