Eles acreditam que podem deter a
Operação Lava Jato através de um golpe parlamentar. Podem aumentar a irritação
popular e transformar a delação da Odebrecht num genocídio da espécie
Por Augusto
Nunes, 28/11/2016,
www.veja.com.br
Texto de Fernando Gabeira publicado no Globo
Gostaria de ter ido a Salvador para conhecer e
mostrar a Igreja de Santo Antônio da Barra, o Forte de São Diogo e o Cemitério
dos Ingleses. Na igreja, você assiste à missa e contempla a Baía de Todos os
Santos. O Forte de São Diogo foi erguido para defender o flanco sul da cidade,
no tempo em que Salvador era a capital do Brasil.
Só que os inimigos não chegaram pelo mar. Vieram de
dentro de Salvador, capitaneados por Geddel Vieira Lima. Construiriam um prédio
de 30 andares, que, segundo o Iphan, arquitetos e moradores, arruinariam a
paisagem.
Felizmente, a paisagem foi salva. Geddel tentou
pressionar o ministro da Cultura, mas acabou perdendo a batalha. Quase
continuou no cargo. O governo Temer é feito de cumplicidades pretéritas com o
objetivo de escapar da Lava Jato. Ao tentar manter Geddel no cargo, Temer
queria impedir que ele caísse nas mãos de Sérgio Moro. Ele é investigado pela
Lava Jato. O apartamento de Geddel no prédio La Vue custou R$ 2,5 milhões. Ou
comprou ou ganhou. Em ambas as hipóteses, aumentaria a suspeição da Lava Jato.
Lembro-me de Geddel ainda na década dos 1990.
Antônio Carlos Magalhães divulgou um dossiê intitulado “Geddel vai às compras”.
Os líderes políticos que, inutilmente, lhe deram apoio para evitar sua queda
são uma espécie de Bessias, aquele mensageiro cuja missão era evitar que Lula
caísse nas mãos de Moro. Não adiantaria muito tentar salvar Geddel, esconder-se
nas barras das togas dos ministros do Supremo. A grande delação da Odebrecht
vai colocar todo o mundo político na roda.
Existem fortes manobras para decretar uma auto-anistia.
Essas manobras são conduzidas por Renan Calheiros e Rodrigo Maia, mas têm o
apoio de Temer. Eles acreditam que podem deter a Operação Lava Jato através de
um golpe parlamentar. Na verdade, podem aumentar a irritação popular com eles e
transformar a delação da Odebrecht num genocídio da espécie.
Temer e a cúpula do PMDB, embora estejam
trabalhando para estabilizar a economia, confirmam as piores suspeitas. Seu
grande objetivo é desmontar a Lava Jato. Considerei o impeachment um momento
importante para atenuar a crise brasileira. Achei que era preciso dar um
crédito inicial de confiança para que o desastre econômico fosse reparado.
Pouco se avançou nesse campo. Mas eles andam rápido no projeto de auto-blindagem.
O que não faz o medo? Se Temer, Moreira, Geddel e
Padilha, o quarteto do Palácio parte para essa luta com Renan Calheiros e
Rodrigo Maia, o jovem ancião da política brasileira, eles abrem uma nova
frente. Quais são seus motivos? Geddel, por exemplo, já aparece em algumas
delações premiadas. Seu enriquecimento é visível. Moreira Franco, também citado
cobrando propinas em obras de aeroporto, e Padilha, como Geddel, são velhos
sobreviventes. ACM o chamava de Eliseu Quadrilha. O próprio Temer tem dois
apelidos na delação da Odebrecht.
No momento em que abrem o jogo, não deixam outro
caminho a não ser o de uma oposição implacável. Contam com um grande número de
deputados e senadores, mas esses estão apenas cavando mais profundamente sua
sepultura. Comandados por Renan Calheiros e o quarteto do Palácio, os políticos
brasileiros temem encarar a sua batalha decisiva. Ou liberam a corrupção que
sempre os alimentou ou vão para o inferno.
Na biografia de Renato Russo, há menções a Geddel
Vieira Lima, que freqüentava a mesma escola do cantor. Geddel chegava sempre
num carro verde e dizia que seu sonho era ser político. Renato Russo o achava
insuportável. O que diria hoje diante da bela paisagem que Geddel ameaçava em
Salvador?
Não pude ir à Bahia porque a crise no Rio me levou
aos presídios de Bangu. Agora que um ex-governador está lá dentro, vale à pena
conhecer o que é aquilo. Passei uma noite em claro para documentar o esforço
das famílias em visitar os presos. Existe uma visão geral de que as famílias
também são culpadas e devem pagar um pouco pelos crimes de seus filhos, pais e
maridos. É um equivoco. Com a prisão de Cabral, o sistema penitenciário tem
dois caminhos: ou cria um regime de exceção para ele e sua família ou
racionaliza a visita de todos os 26 mil presos no complexo. Parece mais fácil
criar um regime de exceção. Mas com um bom aplicativo, o que leva horas de
espera, pegar uma senha, poderia ser feito pelo telefone. Pelo menos, os
problemas com Cabral em Bangu são mais fáceis de equacionar do que os da cúpula
do PMDB.
Presos, ainda dão trabalho. Muito menos, no
entanto, do que a Renan Calheiros e ao núcleo do Planalto, que mantêm o poder
em Brasília e trabalham, intensamente, numa blindagem de aço especial que
consiga, simultaneamente, anular a Lava Jato com suas evidências e a opinião
pública com sua justificada fúria.
Que país é esse? Renato Russo dizia na letra da
canção: “na morte eu descanso/ mas o sangue anda solto/ manchando papéis e
documentos fiéis”. Como Cabral, Geddel foi às compras. Roubar uma paisagem de
nada adianta, porque, na cadeia, o que se vê é o sol nascer quadrado.
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