País não pode continuar refém
desse mistério; que a homologação se faça logo para que o processo político
possa se organizar
Por Reinaldo
Azevedo 07/11/2016,
www.veja.com.br
O Estadão informa neste
domingo que a Mãe de Todas as Delações, a da Odebrecht, deve ser homologada
ainda neste mês. Vai envolver cerca de 80 funcionários e ex-funcionários do
grupo. E um número incalculável de políticos, lobistas, funcionários de
estatais, sabe-se lá, vão se tornar alvos. Como naquela música, uma coisa é
certa: nada será como antes.
Homologar a delação é só o primeiro
passo. Depois vem a fase dos inquéritos, do oferecimento das denúncias, o que
nem sempre é rápido… Imaginem, a despeito de todos os cuidados que se prometem
tomar, o festival de vazamentos, a quantidade de figurões da política que
entrarão na berlinda. Notem: até agora, a Procuradoria-Geral da República não
ofereceu, por exemplo, denúncia ao Supremo contra o senador Renan Calheiros.
Essa demora em particular nada tem a ver com a morosidade do tribunal. A Lava
Jato já dura dois anos e oito meses.
O que isso significa? Que o processo
político seguirá refém do noticiário de Polícia. O que fazer? Bem, tanto quanto
possível, tocar a agenda: há a reforma política — que já nasce contaminada
chego lá daqui a pouco - a da Previdência e a trabalhista. Como isso tudo vai
se dar em meio à pancadaria que vai se seguir à megadelação?
Não dá para prever. Sabem aquela
brincadeirinha de um suposto marciano que aterrissasse no Brasil com a famosa
frase: “Levem-me a seu líder”? Pois é. Será preciso esperar a delação da
Odebrecht para saber. Por enquanto, todos se entreolham e perguntam: “Quem é
mesmo nosso líder?”.
É claro que o caso já contaminou a
próxima eleição presidencial, em 2018. O ideal seria que o país chegasse lá com
o regime parlamentarista aprovado. Não vai acontecer. A crise política,
infelizmente, será transferida para o pleito seguinte.
Num lúcido editorial, o Estadão
observou que “a não poucos delatores interessa tratar as doações de forma
indistinta, como se tudo fosse iniqüidade”. Será preciso fazer as devidas
distinções.
Reforma política
A reforma política, a que mais avançou
até agora, ao menos no debate, já nasce com uma marca de origem ruim: o repúdio
à doação de empresas privadas a campanhas. Como observou a Folha, também em
editorial, essa perspectiva endossa os vícios que se viram na campanha de 2016:
exacerbação do caixa dois, doadores laranja e outras safadezas. Por enquanto,
vão triunfando teses estúpidas, como o financiamento público de campanha.
É claro que o país tem de sobreviver, e
vai sobreviver, à delação da Odebrecht. O único sentido moral da Lava Jato —
além, claro, de punir os bandidos — é fazer com que o Brasil se torne um país
melhor. Será preciso ter muita serenidade para que a política não se torne
porosa ao discurso de demagogos de direita e de esquerda.
É claro que aqueles que forem vitimados
pela Lava Jato não terão condições de se apresentar às urnas. Será preciso ter
a devida prudência para que o sujeito ou “a sujeita” não tenha como única
virtude “não estar na lista da Lava Jato”. Afinal, é possível não ser um
investigado e, ainda assim, ser um desastre para o Brasil.
Essa é uma das razões por que tenho
insistido tanto em valores — os valores da democracia e do Estado de Direito.
Amplas camadas do Brasil estão com raiva da política e dos políticos. E, como
se sabe, por boas razões.
Momentos assim podem levar a decisões
estúpidas — individuais e coletivas.
Por isso, acho que cumpre aqui encerrar
com um apelo óbvio: tão logo a delação da Odebrecht seja homologada, que não
haja sigilo nenhum. É preciso pôr fim à rotina de vazamentos e mexericos.
Quanto antes o processo político se organizar em razão da Lava Jato, melhor.
Há milhões de brasileiros à espera de
emprego, de uma vida mais digna, de alguma esperança. Expor os crimes do
passado tem de ser a condição de um futuro melhor, não o contrário. Que se
apresse, dentro do prudente, esse processo todo e que tudo venha à luz.
Sem reservas.
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