Duas prisões no Rio com revelação de detalhes sórdidos nos dão a
esperança de um futuro mais ético na política
Por Ruth de
Aquino, 18/11/2016,
www.época.com.br
Um “mau exemplo” para o país até dias atrás, o
falido estado do Rio de Janeiro se transformou em inspiração para tantos
estados saqueados por governantes, em maior ou menor grau. Duas prisões, dos
últimos dois governadores do Rio, com a revelação de detalhes sórdidos de
roubos estratosféricos para enriquecimento pessoal, nos dão a esperança de um
futuro mais ético na política.
“Quando o Sérgio Cabral for preso, eu vou visitá-lo
na cadeia. E vou levar um bombom Garoto.” Essa era a gozação favorita do
ex-governador Garotinho com seu desafeto Cabral. Não imaginava que ambos
acabariam no mesmo presídio, Bangu 8. Felizmente em celas separadas, a julgar
pelo destempero de Garotinho, que, mesmo na maca da ambulância, ameaçava bater
e arrebentar aos berros. Se quiserem bombons, champanhes e regalias, Cabral e Garotinho
terão de subornar guardas – o que não seria nada, diante da ficha pregressa dos
dois políticos.
A prisão de Cabral é, sem dúvida, mais importante.
Por tudo. Garotinho sempre foi uma figura mais folclórica e muito mais
regional: ele é nascido em Campos dos Goytacazes e acusado de envolvimento com
milícias. Agora, sonhava alto com a eleição de Marcelo Crivella para a
prefeitura do Rio, de quem é conselheiro pessoal. Os dois são evangélicos. Foi
com base no voto religioso que Garotinho conseguiu ser, em 2002, o terceiro
colocado na eleição à Presidência da República. Sua mulher, Rosinha, é prefeita
de Campos apesar de ter sido cassada pelo TRE no mês passado, sua filha
Clarissa é deputada federal e ele é um dos caciques do PR, partido do vice de
Crivella, Fernando MacDowell.
Com o carioca Sérgio Cabral, o buraco é muito mais
em cima. Cresceu na política e se tornou senador como defensor dos direitos do
idoso. Eleito governador do Rio em 2007, chegou a ser cotado pelo PMDB para
presidente do Brasil. Várias de suas políticas são dignas de elogio. Criou as
UPAs, Unidades de Pronto Atendimento. Criaram-se as UPPs nas favelas, as
Bibliotecas-Parque. Reduziu roubos e homicídios. Colocou as finanças do estado
em dia com a ajuda do petróleo, criou o Rio sem Homofobia. Instalou
computadores nas escolas. Era em 2009 um dos 100 brasileiros mais influentes. E
talvez o governador mais amigo de Lula. Têm temperamentos parecidos. Cabral
imita Lula com perfeição.
Por tudo isso, sua queda final foi lenta. A
desgraça começou quando ficou clara sua promiscuidade com empreiteiros, em
especial com Fernando Cavendish, da Delta – o mesmo que deu um anel de R$ 800
mil para a advogada Adriana Ancelmo, mulher de Cabral. O ex-governador sumiu,
mesmo morando na quadra da praia do Leblon. Renunciou e elegeu seu poste e
sucessor, Pezão. Agora, as delações premiadas desnudaram um esquema de propinas
capaz de ruborizar o mafioso mais insensível.
Cabral teria roubado dos cofres públicos R$ 224
milhões, em cobrança de propinas negociadas até no Palácio Guanabara, em troca
de contratos de obras e isenções fiscais. Duvido que o valor seja apenas esse.
Cabral recebia mesadas de até R$ 500 mil. Usava para viajar e comprar, em
dinheiro vivo, obras de arte, carros, lanchas, jóias e vestidos de festa. Além
de levar uma grana da reforma do Maracanã e da obra do Arco Metropolitano,
Cabral meteu a mão no PAC das favelas, levou dinheiro do teleférico do Alemão e
enriqueceu um bando de assessores e amigos. Tudo segundo as delações.
É muito vergonhoso, num Rio hoje sem verba para
pagar salários ou manter seus compromissos na saúde e na educação. O escândalo
respinga no PMDB nacional e encharca de suspeitas o governador Pezão, que foi
secretário de Obras de Cabral. Assessores presos de Cabral são íntimos do atual
governador. Se Pezão fosse japonês, já teria apresentado sua renúncia, até ser
investigado e inocentado. Mas Pezão nasceu no município de Piraí. Que moral ele
tem hoje para tungar o salário dos servidores mais pobres?
O escândalo só não é mais vexaminoso porque Cabral
está atrás das grades e ninguém achava possível. Por isso, o Rio é exemplo de
expurgo contra a corrupção. Para todos os estados e partidos, para o
Legislativo, o Judiciário e o Executivo. Os Três Poderes continuam a
desperdiçar uma fortuna de bilhões em penduricalhos, mordomias, privilégios,
salários acima do teto, benefícios vitalícios, auxílio-moradia, transporte...
Tudo inadmissível num país que sofre com desemprego, inflação e péssimos
serviços públicos. Se for verdade que Dilma Rousseff reivindica
cartão-combustível de R$ 3 mil por mês, que país é este?
O roubo não explica todo o rombo. A má gestão dá
indigestão nos estados. Mas acabar com a imunidade e a impunidade é um bom
começo. Um bom presságio. Nisso, o Rio de Janeiro aparece, finalmente, como um
bom exemplo para o resto do Brasil.
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