Chega-se ao círculo vicioso em
que a política puxa a economia para baixo, a economia puxa a política e o
redemoinho traga tudo e todos
Por Augusto
Nunes, 02/12/2016,
www.veja.com.br
Texto de Eliane Cantanhêde publicado no Estadão
O mundo está desabando e as chances de o Congresso
Nacional virar uma Arca de Noé e de os políticos se salvarem do dilúvio parecem
cada vez menores, até porque não se vê nenhum Monte Ararat à frente. Depois do
presidente da Câmara dos Deputados, Eduardo Cunha, agora é o do Senado, Renan
Calheiros, que vira réu do Supremo, enquanto os deputados estraçalham o pacote
anticorrupção na calada da noite e o Senado tenta regime de urgência para
amarrar os cacos do pacote e jogar no colo do presidente Michel Temer.
Se a economia estivesse reagindo bem, todos esses
erros e solavancos políticos poderiam ser mitigados. Mas não é o que acontece e
chega-se ao círculo vicioso em que a política puxa a economia para baixo, a
economia puxa a política e o redemoinho traga tudo e todos. E o Congresso?
Entra em choque com o Poder Judiciário, isola-se perigosamente da opinião
pública e deixa o Poder Executivo entre a cruz e a espada: ou aliar-se a ele
contra o Judiciário e a opinião pública, ou virar-se contra ele e perder votos
em projetos fundamentais para a sua própria sobrevivência.
Temer tenta se equilibrar entre os Poderes,
lamentando que até a aprovação folgada da PEC do Teto de Gastos no Senado tenha
sido tragada pela queda do avião da Chapecoense, o pacote de maldades da Câmara,
a Odebrecht e o julgamento de Renan no STF. Está difícil conquistar manchetes
otimistas e uma “agenda positiva”. O risco para o Planalto é uma onda de
manifestações pelo País afora, com grupos, táticas e objetivos muito
diferentes.
Na terça-feira, enquanto o Brasil vivia
intensamente a comoção pelo acidente, vândalos quebraram vidraças, picharam
prédios públicos, incendiaram e viraram carros na Esplanada dos Ministérios. A
votação da Câmara sobre o que seria o pacote anticorrupção seria horas depois,
mas nenhum “manifestante” abriu a boca, ou uma bandeira, para defender as dez
medidas do MP, subscritas por mais de 2 milhões de pessoas. Só na quarta-feira
veio o panelaço contra o Frankenstein corrupção e, na quinta, o protesto de
juízes e procuradores diante do STF.
Com Judiciário e Legislativo em pé de guerra, um
debate no Senado reuniu ontem Renan, falando pelo Congresso horas antes de
virar réu, Gilmar Mendes, contrapondo-se a lugares-comuns, e Sérgio Moro, com
ponderações técnicas e didáticas sobre os perigos do pacote da Câmara. Em vez
de disparar adjetivos e desaforos, o juiz foi surpreendentemente político e
sugeriu um único antídoto para preservar os agentes do combate à corrupção:
especificar que divergências na aplicação da lei, na interpretação dos fatos e
na avaliação de provas não podem ser criminalizadas. Para que juízes e
procuradores possam discordar sem que isso seja caracterizado como má-fé ou
crime.
Juízes, procuradores, policiais federais erram,
como todo mundo, e os juízes gozam de excessiva imunidade. Juiz perde ação?
Perde a aposentadoria mesmo afastado? E o que dizer do juiz que quebrou o
sigilo telefônico da jornalista Andreza Matais para escancarar suas fontes de
informação? Mas, convenhamos, mexer nisso agora é dar murro em ponta de faca.
Com esse Congresso? Com a Lava Jato a mil? Com a delação da Odebrecht?
Prensado entre Renan, Gilmar e os senadores,
principalmente do PT (quem te viu, quem te vê…), Moro parecia isolado, falando
sozinho, mas, se havia alguém ali com real apoio popular, falando por milhões
de cidadãos e cidadãs, era o juiz de Curitiba. Nesse clima que o Brasil vive,
cristaliza-se infelizmente uma sensação do bem contra o mal. Seguramente, não é
Moro que incorpora o mal. Aliás, ele nem está na lista da Odebrecht.
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