Se caixa dois passar a ser crime,
é bom lembrar: ninguém poderá ser acusado deste novo tipo penal por atos
passados; nada muda em relação aos demais crimes
Por Reinaldo
Azevedo, 27/11/2016,
www.veja.com.br
A criminalização do caixa dois, se
aprovada na Câmara, não poderá recuar, NOS TERMOS DA NOVA LEI, para punir
aqueles que a praticaram até aqui. Chamar isso de “anistia”, como se faz por
aí, é de uma burrice espantosa (ou de uma má-fé espetacular), já que a
Constituição veda a retroação da lei penal para punir.
REITERE-SE: A PRIMEIRA GRITA CONTRA A
SUPOSTA ANISTIA SE DEU, NA VERDADE, CONTRA UM MANDAMENTO CONSTITUCIONAL.
Só aí começou a surgir a história de
que aquilo a que se chamava “anistia” era outra coisa. Os senhores
parlamentares estariam tentando aproveitar o ensejo para anistiar quaisquer
outros crimes que estivessem associados ao caixa dois. Assim, ninguém seria
acusado nem de caixa dois nem de coisa nenhuma por atos passados. E, segundo o
Apocalipse inventado pelo procurador Carlos Fernando, todos os acusados da Lava
Jato estariam absolvidos.
Uma ova!
A emenda apócrifa contendo a suposta
emenda pretendida pela turma da anistia é esta:
“Não será punível nas esferas penal,
civil (SIC) e eleitoral, doação contabilizada, não contabilizada ou não
declarada, omitida ou ocultada de bens, valores ou serviços, para financiamento
de atividade político-partidária ou eleitoral realizada até a data da
publicação desta lei”.
Bem, o texto é tosco até para os
padrões de determinados bolsões do Congresso. Mas que se note: mesmo que, com
essa redação absurda e ampla, fosse aprovado, é mentira que todos os crimes
seriam anistiados e que as portas da cadeia se abririam.
Carlos Fernando só falou aquilo porque
o MPF quer, de forma declarada, incendiar as ruas. E porque o procurador já
revelou o desejo de lutar boxe com parlamentares.
Releiam a suposta emenda. Ali está
explícito que a DOAÇÃO NÃO CONTABILIZADA E A CONTABILIZADA não serão puníveis.
Bem, a contabilizada já não seria mesmo. A não contabilizada não poderia sê-lo
porque lei não retroage contra o acusado ou réu. Cadê a anistia às corrupções
ativa e passiva, ao peculato, à associação criminosa etc.?
Com boa vontade, poder-se-ia dizer que
essa estrovenga anistiaria, no máximo, a lavagem de dinheiro e a falsidade
ideológica (Artigo 350 do Código Eleitoral). Isso se entrasse em vigor. Mas não
entraria.
Afinal, não nos esqueçamos: ainda
haveria no meio do caminho o Senado e o presidente da República.
Janot de novo!
Rodrigo Janot, procurador-geral da
República, colaborou com a confusão. Lembrou que lei pode retroagir para
beneficiar o réu. Assim, se a tal anistia fosse aprovada e sancionada, os acusados
da Lava Jato se aproveitariam (ainda que parcialmente, destaco).
É certo que alguém recorreria ao
Supremo contra o absurdo. Pergunta-se: até a decisão de mérito, far-se-ia o
quê? Ora, recorrer-se-ia ao tribunal com um mandado de segurança com pedido de
liminar. E seria concedido. Até que o pleno examinasse a matéria, a tal anistia
não teria efeito nenhum. Depois de examinada, aí continuaria inócua porque
certamente seria considerada inconstitucional.
Isso note-se na hipótese de que, a
coisa chegasse tão longe. Mas não chegaria. E, ainda que chegasse, os senhores
procuradores mentiram quando disseram que todos os acusados da Lava Jato
estariam absolvidos e que todos os presos seriam soltos.
Falaram isso porque estavam e estão
empenhados em fazer da força-tarefa o único Poder da República.
Afinal, eles caçam corruptos. Se caçam
corruptos, então podem dar aula até de física quântica porque ninguém na
República tem mais moral do que eles, certo?
Ora…
É feio enganar as pessoas,
especialmente aquelas que, com razão, vêem na Lava Jato a chance de moralização
da atividade pública.
Mas isso tem de se dar nos limites da
lei, sem mentira e sem demagogia barata.
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