Os comunicadores estão cada vez mais convencidos de que a sua maneira de
ver o mundo é a melhor
Por Augusto
Nunes, 03/12/2016,
www.veja.com.br
Texto de J.R. Guzzo
Os meios de comunicação, no Brasil e numa porção de
países do Primeiro Mundo, muito civilizados, prósperos e democráticos, estão
com uma doença que pelo jeito não tem cura. Publicam notícias, comentários e
“conteúdo” segundo uma tábua de mandamentos que não deixa nenhuma dúvida sobre
o que está certo e o que está errado, o que é bom e o que é ruim, o que é
permitido e o que deveria ser proibido – só que não combinam com o público se
ele próprio, o público, está de acordo com isso tudo. Os comunicadores estão
cada vez mais convencidos de que a sua maneira de ver o mundo é a melhor, não
apenas para o mundo, mas para leitores, espectadores e ouvintes; não parecem
ter nenhuma dúvida a respeito.
O resultado é que estão sendo cada vez menos
representativos do público que imaginam representar. Dão informações que esse
público não está interessado em receber e opiniões que não está disposto a
compartilhar. Ensinam coisas que ele não quer aprender. Falam de valores que
não são os seus – ou não necessariamente os seus. Torcem por causas que não são
obrigatoriamente as suas. Elogiam uma série de comportamentos, condenam outros
tantos, e em ambos os casos deixam uma advertência clara: é assim que nós,
órgãos de comunicação, esperamos que vocês, público, se comportem. Só existem
duas maneiras de avaliar as coisas neste mundo. Uma é a maneira errada. A outra
é a nossa. Qual é a surpresa, então, em que a mídia esteja com tantos
problemas?
Não é preciso, para ver o tamanho do problema,
recorrer a casos extremos como a eleição de Donald Trump para a Presidência dos
Estados Unidos. Depois de atacar a sua candidatura como o pior momento da
humanidade desde a vinda da peste negra, a imprensa americana e a
internacional têm certeza, agora, de que sua vitória nos levará de volta à
Idade da Pedra. Deveria estar mais do que óbvio, se fosse assim mesmo, que só
um débil mental votaria nesse homem. Mas é claro que não foi isso que
aconteceu, como é claro que ninguém está em pânico só porque a imprensa diz que
todo mundo deveria estar em pânico.
No Brasil de hoje, então, o descolamento entre
meios de comunicação e público parece caminhar para o modo mais extremo. O que
dizer quando nas últimas eleições para prefeito os vencedores nas duas maiores
cidades do Brasil foram justo os dois candidatos mais detestados pela mídia?
Estão operando lado a lado, aí, duas linguagens opostas – a dos jornalistas e a
de dezenas de milhões de cidadãos comuns.
Os exemplos se aplicam a um mundo de coisas. Os
comunicadores, em sua maioria, são a favor da ocupação de escolas por grupos de
organizações de estudantes, ou a vêem com compreensão quase ilimitada; fazem um
voto de confiança sem restrições no idealismo dos jovens e sua vontade de
reformar o nosso ensino. São a favor da ocupação dos espaços públicos por
marginais de todo tipo – acham que seu direito é maior que o direito do restante
da população de utilizar em paz o mesmo espaço. São a favor de praticamente
todo tipo de invasão (que chamam de “ocupação”), de lugar público ou privado;
são contra a liberação desses locais pela polícia, mesmo com ordem judicial, e
sua devolução aos legítimos donos; estão convencidos de que a polícia, sem
exceção, age “com brutalidade”.
Há um critério rigoroso na escolha das palavras. A
imprensa fala sempre em “manifestantes”, “militantes”, “estudantes”,
“desabrigados” e até em “camponeses” – nunca, em nenhum caso, são “invasores”.
Não fala mais “favela”, palavra hoje condenada como preconceituosa, elitizante
e fascista; tem de ser “comunidade”. A imprensa brasileira continua falando do
golpe militar de 1964 como se fosse algo que aconteceu ontem, e alerta para os
“perigos” de se voltar, a qualquer momento, à mesma situação; esquece que só
tinham chegado à maioridade, em 1964, pessoas que têm hoje pelo menos 70 anos
de idade.
Nossa mídia dá a entender, cada vez mais, que ter
um automóvel é uma falha moral – e que o importante, hoje, não é a propriedade,
e sim o uso do veículo. Jamais lhe ocorre que para milhões de brasileiros o
carro é um instrumento de liberdade, e sua propriedade um sonho individual
importante. Ao contrário da imprensa, a população não acha que o problema do
Brasil é ter gente de mais na cadeia; acha que é ter gente de menos. Não acha
que o principal problema da segurança pública seja a polícia – acha que são os
bandidos. Não acha que a fé evangélica seja uma ameaça.
Dá para escrever um “Manual de Redação” inteirinho
com essas regras. Só que não são as regras do público.
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